quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
Cidade periférica
[Avenida movimentadissima, 7 horas, personagem 1, vestida de guarda-pó branco com nome bordado no bolso á direita]
Atendente de fármacia da Avenida 25 de março. Sempre corre para conseguir pegar o último ônibus depois do corriqueiro café da manhã. Outro dia perdida entre as esquinas das duas Marechais, percebeu quanto a cidade cresceu. Velhinhas conversam, jogatinas embutidas, velhos malandros desfilam e algumas crianças fazem dos minutos antes da entrada na sala de aula, um verdadeiro recreio dissipado. Cumpre sua jornada de trabalho diariamente. Tem cargo de atendente e destaca-se pela familiaridade com os clientes. Sabe as mais diferentes histórias, certas vezes, enxerga-se na própria história. A última foi da mulher que não sabia mais controlar o ronco do marido. Preferia mantê-lo acordado com fantasias enciumadas sob a realidade. O alento do trabalho não oferecia oportunidade para conseguir ultrapassar a barreira daquele balcão branco gelo, cheio de remédios, tabelas de comprimidos e folders promocionais. Ali, comumente sempre encontrava uma mulher, ainda jovem, que sempre entrava na farmácia para pesar-se. Vai ver é uma pessoa entediada com o peso, apenas mais uma, pensou.
[Casa de esquina, na rua paralela á Avenida 25 de março, personagem 2, vive a vida diária durante as noites. Olhos costumadamentes pintados, lábios contornados e brincos de argola]
Não sabe o motivo do sumiço de mais um par de brincos. Desde que mudou-se para aquela pensão, além dos incomodos com os insetos, também começou a sofrer com a vida em meio a tanta gente diferente. Existe indiferença entre os moradores. A noite esticada na cama, tinha que usar seu fone de ouvido. Não conseguia dormir com os ruídos das camas barulhentas com hóspedes secretos. Outra manhã com os olhos cansados de artefatos mimados de algumas senhoras vizinhas, resolveu mudar o turno do trabalho. Foi trabalhar nas madrugadas da cidade. Aos poucos descobriu o quanto é superficial e vago a vida de ser namorada afastada. O dinheiro que entrava facilmente, era deixado no caixa da fármacia. Apegou-se á viver baseada em receitas de emagrecimento. Nunca conseguia viver mais de dois dias sem contar os trocados, sobras do trabalho.
[Fármacia, manhã, por volta das 10:12]
Entre um atendimento e outro sobrava tempo para percorrer as linhas do imaginário. Voltava-se para a vida simples. Pensava em ser diferente, quem sabe utilizar a experiência de atendente e ganhar uma independência financeira maior. O maior opositor da mudança era seu espírito pudico.
[Farmácia, hora do almoço, por volta do 12:30]
Cabelo desgrenhado, óculos escuros, a menina pesa-se mais uma vez, mas compra também um inibidor de apetite. Neste instante inaugura-se o imprevisto acanhado. Somente isto? Sim, aliás você sabe de algum remédio indicado para insônia? Insônia. Bem para insônia, temos ... Obrigado, não precisa mais. Apenas o inibidor. R$17:28.Na saida a menina desfila seu glamour estampado em um vestido tão casto. A cena desperta a libido da atendente em mudar sua vida, talvez, nos moldes da sua última cliente.
[Pensão, 12:53]
Olhando a cidade pela janela] Preciso mudar a minha vida! Acabei encontrando um bom exemplo. A atendente de farmácia é formidável, tem vida digna, trabalho valorizado e ainda dorme durante a noite. Enquanto o céu da cidade desprendia-se de mais um dia de sol as duas personagens percorriam destinos nada convicentes com seus ideais psicológicos. A noite chegava ao mesmo tempo, tanto na frente do espelho no banheiro da pensão, como no ponto congestinado do ônibus. O vestido agora é mais justo e colorido. E o sono ultrapassava a fronteira antes de mais um dia começar. Ao contrário a vida encarrega-se de realizar fatos.
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