sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O Argumento




O beijo de agora não tem mais sentido!


- É?


- Sim!

Tinha muito mais sentido, peso e verdade quando era encenado junto a novela, que abraçados assistíamos।


- Deve ser por isso que depois da novela, nós não mais existimos.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

interferências

O som dos carros lá embaixo está audível demais. Não consigo percorrer com a caneta uma caligrafia que seja diferente de estar tênue. Cansei de tentar começar a escrever neste papel ralo de tanto ser esborrachado. Minhas pernas estão dormentes. Mal sinto os pés, apenas os dedinhos mingos parecem resistir. Isto muito me preocupa. Escutei dias destes no noticiário, ou foi conversa paralela de elevador. Câimbras constantes é decorrente da falta de potássio. Assim, sabe, eu não sei mais o que fazer, toda manhã, os carros ensurdecem meus ouvidos. Aquelas anotações que sempre costumadamente viram poemas estão cada dia mais esquecidos nestas contrações esquisitas. Hoje já é o quarto cigarro que fumo. Gostaria muito de parar, mas a confusão da agitação da avenida não deixa. Daqui a pouco começa os altos falantes a denunciar que estamos em campanha eleitoral. Inferno, e inferno, e inferno. Aí não tem jeito, cigarro atrás de cigarro. Caminho lento pelo apartamento. Olho uma cidade movimentada. A vizinha aspira o apartamento e escuta a tv com um volume altíssimo e um programa horrível. Depois da ultima noite, ela é uma heroína de conseguir estar em plena atividade. Ruídos de passarinhos. Não, melhor, gorgeios de um canário preso em alguma gaiola pendurada em algum apartamento fechado. Barulho de correspondência passando por debaixo da porta. A campainha não tem utilidade nem para recebimento de correspondências mais. Aperto os passos. Receber cartas sempre é bom. Quantos vezes estou assim como hoje, um verdadeiro entulho de sentimentos, jogada pelo cantos e sustentada pelo cigarro. E quando recebo uma carta de um amigo, há tantos perdidos pelo mundo. Descubro que umas palavras, com alguns conectivos bastam para eu voltar a andar diferente. Não que seja uma sofreguidão itinerante. Mas sempre que estou mal gosto de receber cartas de amigos. Desde os tempos de militância estudantil nos idos finais de 60 e começo de 70. Eram tempos de sinceridade e imaturidade. Nem sabíamos direito o que éramos, mas tínhamos toda a certeza do que não éramos. O visco da modernidade era reprimido. Tempos de sair para caminhar e ter a única certeza que tudo aquilo que tínhamos em casa poderia em circunstâncias casuais serem reduzidos apenas a lembranças. Quanto tempo, seria normal sentir saudades do passado, ainda mais quando nele encontramos as mais belas recordações da vida. Não acredito! Meu Deus! Você está vivo cara. Marcelo não posso acreditar que uma carta poderia trazer um conteúdo tão expressivo para mim, para nós. O balsamo das noticias me jogam no chão. Vou ligar para meus amigos e contar sobre a carta. Merda! Amigos, que amigos? Não posso estar louca. Maldito aspirador. Maldito barulho ensurdecedor televisivo. Maldita campanha política. Este é o ultimo cigarro. E não tenho paciência e nem quero enfrentar o caos lá embaixo. As pessoas depois de um tempo para cá se fazem desentendidas do mundo. Não que eu não queira ser assim. No momento apenas quero fumar meu ultimo cigarrinho em paz. Tranqüila. E depois que acabar. Não vou comprar. O porteiro não vai interfonar e oferecer uma ida até a banca de revistas e trará uma carteira de cigarro com filtro branco. Alias, vai também comprar dois jornais, assim poderei acompanhar as noticias e perceber o quanto está defasada está nossa sociedade cada dia mais isolada. Nada disso vai acontecer. Lógico que não. Às vezes insisto em acreditar que vou conseguir mudar algo. Ultimamente nem meus versos consigo finalizar. Quando sento e cruzo as pernas para escrever, câimbras insistem em interromper. A batata da perna formiga. Os dedos do pé ficam todos duros e modificados. Apenas os mingos ficam intactos, parecem ficar. É assim. Parece que sempre será assim. Tudo culpa desta cidade. Cada dia mais caótica. Nesta época então, vivemos procissão eleitoral. Santinhos em todos os cantos. Do alto dos postes ao entupimento dos bueiros na chuvarada primaveril. Cinzeiro cheio. Sinal que meu último cigarro acabou. Sobram apenas bitucas e cinzas e pouco mais de mim. Droga. Bem, barulho por barulho. Meus ouvidos desfilam entre o som não equalizado do aspirador do apartamento ao lado. Um barulho que vem da rua e invade as vidraças. E agora um zumbido que percorre muito mais que lembranças amarelas. Calças jeans desbotadas. Este barulho-zumbido é o mais pesado de todos. Enquanto do aspirador, apenas escuto o expurgo do chato barulho. Da rua eu vejo a razão do barulho de tudo. Neste barulho se censura o grito de muitos. É assim. Parece que sempre será assim. Aqui dentro apenas o barulho do coração que acelerado bate desesperado. Não silenciado. Já mordi a língua mais de três vezes. Culpa da faceta irredutível de uma fumante sozinha. Sem cigarro. Sem quem compre. Sem jornal na porta. Certo que no momento câimbra não sinto. Mas, vou esquecer a caneta. A folha em branco rala de tanta borracha, descansa exausta. Os dedos da mão estão batendo freneticamente contra a mesinha de centro da sala. Dedos estes que um dia já seguraram anéis, alianças. Ultimamente nem a caneta consigo mais. E cigarro não tenho mais. A rouquidão do vizinho chama a esposa para ir ver a janela pela cama. Bem, se consigo escutar apenas os carros desesperados lá embaixo e uma voz masculina rouca chamando a mulher no apartamento ao lado, sinal que, felizmente o aspirador foi desligado. Uma bossa nova no som para comemorar. Saudades. Sensibilidade. Sentimentos. Som mais alto. Quero que reclamem. Vamos gritem mais alto que puderem. Acordem os anjos mais novos em suas nuvens baixas. Vamos. Aumento o som. Atiço o coração. Cabelo desgrenha e bate no rosto. Não peço perdão. Apenas aperto mais o balanço do corpo. Suo incondicionalmente. Afrouxo a alça do soutien. Canto mais alto que o som cadenciado do alto-falante. A campainha não toca. O porteiro não traz o cigarro. Não traz o jornal. Muitos menos interfona para dizer que um vizinho qualquer reclamou. Onde estou. Quem sou. Como vou. Tudo importa, menos a algazarra que eu poderia ocasionar agora. Tudo passa. A bossa-nova não passa. Escutem seus miseráveis, eu sei cantar mais alto que a voz possa alcançar. Arremesso o corpo com mais da metade de mim para fora da janela. Caso não incomode, eu grito. Escutem, eu grito. Miseráveis. Miseráveis. Miseráveis. Droga. Bato a janela. Não quebro o vidro. Não me corto. Desligo o som. A bossa-nova continua linda. Volto para os escritos. Invento um abrigo. Seguro a caneta, o dedo vermelho de batucar na mesinha está ardido. Escrevo um verso. Dois. Três. Pouco a pouco volto a redescobrir o mundo que está em meus escritos. O barulho externo não cessa. Não perturba mais. O que faz é apenas mostrar que a cidade continua viva. A monotonia do movimento da escrita é o que mais irrita. Tivesse eu apenas uma chance de fazer as palavras soarem mais. Martelarem mais. Com um tubo plástico redondo maior, um tubo carregado com cor menor, seria difícil eu conseguir fazer barulhos. Não quero barulhos que incomodem. Como fiz e fizeram comigo ainda hoje e tantas vezes. Quero escrever, e consternar quem escuta. Fazer da escrita um cachorro uivante que ecoa verticalmente e horizontalmente aos ouvidos de quem escuta. Salta os olhos de quem vê. A vizinha mesmo quando estiver em momento de mais profunda introspecção domiciliar com seu esposo vai perceber, melhor, irão perceber o leve toque dos dedos para percorrer as linhas e escrever palavras. Nunca vai precisar esquecer que ao lado de um apartamento habitado, reside mais que retratos. Os retratos sobre o mezanino da sala estão cheios de pó. Culpa minha, não. Culpa sua, também não. Culpa das letras inversas em propagandas de cigarros. Todos felizes. Nada afeta. Quem chega, não foi quem saiu. Quem saiu, não chega. Somente fica o peso da palavra. A fonte da lembrança. O ser o sentimento. A idéia que não mente. As palavras que não são doentes. E eu sou apenas quem faz um pouco de tudo. Militante estudantil. Amiga distante. Escritora censurada. Vizinha enclausurada. Sonhadora inveterada. Um cigarro por favor. Ele vai chegar e trazer. Escrevo mais um pouco. Volto a pensar.
E apago. E leio. E releio. E vejo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O sol de Nara





Quando chegou, mal teve tempo de perceber o recado preso em um imã na geladeira. Apressadamente passou pela cozinha, não gostava de entrar por ali, somente a fazia quando estava sem a chave da porta da sala. Já na sala reparou no desbote das folhas da avenca, mas não fez nada naquele momento, preferiu ir até o quarto e descansar o corpo maltratado do cansaço. Desprendeu o braço pálido do corpo, esticou a mão direita para pegar o travesseiro e atirou a bolsa para aquele espaço. Jogou-se na cama, na necessidade de descansar seu rígido corpo. Ali no quarto ela sentia a luz que entrava entre as persianas e atingia a sua branca e bonita perna direita. Sem necessidade de pedir licença para quem não iria chegar, resolveu puxar a saia mais para cima e deixar as pernas em locais pouco navegadas de sol.
Ali deitada e reclusa da movimentação e modernidade da vida lá fora, pensou mais friamente nas condições que extrapolam a situações do coração.
Na noite passada, durante a festa de aniversário de Verônica, percebi que eles conversavam e se entreolhavam. Isso me deixou profundamente chateada. Enquanto eu pedia mais uma dose de bebida ao garçom, somente para criar um certo desconforto a ele, não demorou mais que dez segundos para ele interromper a conversa e vir até a minha direção. Chegou sem muito pensar e disse:

- Ela é uma chata!

Eu me coloquei a rir demasiadamente da situação, vê-lo ali na minha frente e escutar aquela frase não tinha significado mais significativo para o momento.

- Não se preocupe. Eu sempre a achei chata, mas agora que escuto de você, ela é mais chata ainda.

Sentido com a situação e na esperança de reconquistá-la, se pôs a falar da esperança de fazer renascer os dias em que foram felizes.

- Sabes bem que eu não passei uma fase boa. Mas quero que saibas que agora estou bem. A quero muito próximo de mim.

Eu engasguei. Não acreditava que aquele homem que por vezes eu fiz sofrer, estivesse ali, com um ar de consternado pedindo para ficar próxima de mim. Olhei para meus cotovelos trêmulos, soltei os cabelos e os puxei bem para amarrá-los novamente. Fiz isso para conseguir contornar a coragem e falar:

- É. Então vamos para meu apartamento.

Não dei tempo de resposta a ele e lhe disse:

- Agora!

Anos mais tarde eu descobri que aquela noite não foi a nossa volta, nem tão pouca a nossa retomada definitiva. A pressa de encontrar nele alguém que iria me fazer bem, esbarrava na falta de sensibilidade dos meus sentimentos. Talvez fosse tudo culpa da urgência que eu tenho em vivenciar a natureza das coisas. Jamais me submeti a ficar nas noites de sábado sentada no sofá assistindo um filme qualquer e entre uma cena mais parada e outra confinar diálogos assim:

- Não conta que nunca assistiu filmes deste diretor?

- Diz que está de brincadeira comigo?

- Barbaridade, o que fizeram com você na sua vida?

Essas perguntas cretinas afugentavam a minha pressa, não poderia ficar reclusa a perguntas estúpidas como estas em uma noite de sábado. Eu preferia ficar atenuada com as cenas e aproveitar o momento para recriar um romance fílmico ali no sofá da sala.
Porém a minha caretice e falta de coragem não permitiam eu agarrá-lo pela gola da camisa e começar a subtrair as vontades. Ficava na minha eterna culpa de aceitar tudo que acontecia.
Em uma noite de agosto ele chegou todo molhado, a sua camisa pólo azul estava grudada no corpo, as costas faziam uma espécie de “v”, salientes pareciam asas de um anjo querubim.

- Essa chuva chegou depressa, eu jamais iria imaginar que um guarda-chuva me salvaria neste começo de noite. Enfim, consegui comprar uns chocolates e um vinho, não é dos bons, mas vai servir para evitar o resfriado. Colocou-se a sorrir. Era um sorriso com chiados de verdade.

- Seu bobo, vinho serve para esquentar, para gripe é caipira que é bom. Pelo menos foi o que restou da tradição familiar, meu avô sempre defendia esta tese.

Colocaram-se a sorrir. Eram sorrisos sinfônicos em par. Em par eles fizeram de tudo naquele sábado chuvoso de agosto. As mãos que em algumas noites eram duas, transformaram-se em quatro, as bocas que eram apenas uma para saciar o chocolate, somaram-se para trair o desejo e atrair o momento. Os corpos envoltos, não pareciam nada, pareciam corpos envoltos de desejos.
O som da velha vitrolinha, herança da família dela tocava um vinil da Nara Leão – aquela voz doce da Narinha expressava de modo genial a composição do velho Chico.

Quando a noite enfim lhe cansa, você feito criança, pra chorar o meu perdão, qual o quê! Ele retrucou.

- Não gosto deste verso, não que não goste, neste momento aqui não posso gostar. Prefiro o começo e começou a cantarolar em meu ouvido – com açúcar e com afeto, fiz seu doce predileto, pra você parar em casa. Antes de terminar o verso, mordeu meu lábio inferior e me beijou com intensidade. Senti a textura do beijo.

Depois de tantas vezes juntos não lembrava da ultima vez que tínhamos passado uma noite tão agradável juntos. Não tive oportunidade de lhe dizer boa noite, nem outras frases mais, sentia que naquela madrugada eu poderia esquecer a minha falta de coragem em pronunciar algo. Porém ele já dormia, respirava forte e nem a chuva que fortemente atingia o vidro da janela do quarto impedia aquele som. O abracei forte, feche os olhos e não lembro de ter sonhado.

- Amor, cadê você?

- Você está no banheiro?

Era 7:18 de domingo, o despertador já tinha anunciado o acordar. Envolto ao edredom com aroma da noite, estiquei o braço, afastei as taças de vinho e puxei a minha carteira de cigarros.

- Ufa, tenho mais um.

Suspirei aliviada, retirei o travesseiro dele do lugar, juntei ao meu e me encostei. Enquanto eu tragava tranquilamente aquele solitário cigarro, sentia em meu copo o peso, a necessidade boa que aquela noite tinha me provocado. Doía-me esta história de ficar tonta com os meus sentimentos mais usuais.

Antes de terminar o cigarrinho ele reapareceu com um sorriso nos lábios e com a o rosto suado disse:

- Gosto da Nara Leão, mas confesso que ouço mais a Fernanda Takai. A voz delas é muito parecida. Não acha?

Meu silêncio se fez vitrine. E ele emendou:

- Não acredito que você ainda não percebeu?

- Eu vou trabalhar!

Mas hoje é domingo, não é?

- É sim! Mas certas vezes eu trabalho no domingo.

Beijou-me e saiu para trabalhar.

Fiquei ali ilhada nas fragrâncias daquele quarto. Retirei o segundo travesseiro e voltei a deitar meu corpo. Em poucos minutos dormi.

Hoje eu sei que desde o inicio eu tinha certeza que aquele amor era um vício de ambos, não estávamos ali para preencher a vida um do outro, mas para nos limitarmos ao momento. Ele com suas perguntas sem respostas, eu com a urgência momentânea. Na verdade eu não sei muito bem a razão de voltar à tona destes acontecimentos.
Preso no imã fixo da geladeira, escrito em papel de uma agenda velha, ficou escrito por ele: se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí.
Tudo culpa da Nara Leão, tudo culpa minha. Penso em começar a colocar a pálida e não tão bonita perna esquerda no sol.