segunda-feira, 26 de maio de 2008

Ciúme moldado

Desgraçado, você nunca me amou! Todo este tempo em que estivemos frente a frente pouco importou para você. Será que alguma noite em sua vida você me olhou e conduziu afeto descente? Desapareça da nossa casa. Espero nunca mais vê-lo. A voz alta e agressiva era única naquele quarto. Luiza transpirava insistentemente e não controlava a ávida vontade de meter um tiro na cara do seu esposo de outrora.
Acreditei em tudo o que ele disse, como pode, fui infantil demais em acreditar nas justificativas pautadas em compromissos de trabalho. Que ótima atriz eu fui em acreditar na mais bela e ridícula cena que esteve em cartaz em mais de quinze anos. O ódio domesticava-se e exalava uma vingança que poderia tomar caminhos terríveis. Caminhou até a cozinha, pegou um copo de água e misturou com açúcar, singela receita herdada das tardes na casa da avó, quando nervoso apenas um defeito de criança mimada. A boca adoçada e as palavras amordaçadas estavam agora em conflito com seu mundo mais exposto no sentimental. A pergunta mais recorrente baseava-se no conceito de amor jurado frente ao altar e confessado ao longo dos momentos em que eram apenas um com o outro. Julio, você é responsável por eu estar assim, será mesmo que nunca mais aparecerá aqui? É dolorido admitir, mas você poderia aparecer e quem sabe com as almas mais leves e os pensamentos menos cansados a gente não resolve esta situação. Não, não acredito em dualidade por amar um homem que não sei se disse a verdade nem frontal ao altar.
O trajeto mais complicado seria chegar ao quarto e olhar aquele imenso vazio ocupado por um criado-mudo, com retratos felizes do casal, guarda-roupa com imenso aroma do perfume do ex-marido. Mas, o pior seria enfrentar o largo espelho e visualizar-se desacompanhada. Esse espelho tem marcas de uma história, hoje maculada por saber que o amor, aquele mesmo amor que toda noite deitei na cama e declamava antes de dormir, foi uma mentira, um insulto ao que julgam ser amor. Será difícil conseguir voltar viver tranquilamente e felizmente depois de quinze aniversários de casamento lado a lado. Durante todos estes anos fui à mulher verdadeira, sem deixar de fazer nada, tudo que poderia fazer eu fiz. Vida, minha vida, com tanta gente errada no mundo você fui justamente me escolher para ser escolhida desta peça sem alquimia? Será que meus seios estão mudados, minhas pernas finas e com varizes, ou então, sou uma mulher frígida? Não procuro com perguntas responder a minha angustia, mas responder a mim mesma.
A esposa dedicada transformou-se em mulher frustrada em duvidas que até horas atrás não faziam parte da sua vida. Luiza começou a decompor seu sentido das proporcionalidades do amor ao escutar o discurso do então seu marido Julio.

Meu amor, eu tenho outra mulher. Antes de você se pronunciar, deixa eu terminar, prometo ser breve. Faz um certo tempo que vivo com uma pessoa, um pouco mais nova que eu, porém alguém que desde o dia em que a vi, não pude conter o puritanismo do casamento jurado a você, há quinze anos atrás. E você fala com toda esta naturalidade, Julio? Espera, tem mais uma confissão que gostaria de mencionar. Durante nosso matrimonio eu a trai diversas vezes, mas nunca foi nada sério, eram apenas noites e momentos que eu buscava uma companhia.
diferente, porém o amor era sempre todo teu. Mas, agora é diferente estou apaixonado e talvez cego de estar a confessar isso para você, que ao longo de todos estes anos foi minha companheira em tudo.

Desgraçado, você nunca me amou.

Aquela terça-feira de um começo de noite do dia 16 de abril de 1986 foi o começo daquilo que os muitos podem chamar de drama familiar, mas a mulher perplexa diante de tantos dilemas colocou-se a olhar-se no espelho e se encarar de todas as formas.