sábado, 14 de fevereiro de 2009

Íntimo de si



Amo escrever para você, mesmo sabendo que você não vai ler. O café está pronto, pontualmente às 06h18min.

- Não, não se preocupe, eu ainda deixo o seu jornal ao lado da sua xícara. Sabe que ontem eu pensei em você muito, daquela vez que nós inventamos descobrir o quanto tinha de água na pia do banheiro.

- Tudo bem, não quer falar disso, eu não vou insistir.

- O que? - não precisa ficar ofendido, aquele dia a escova de dente foi usada de maneira inesperada. Não precisa fechar a cara e justificar isso a sua postura de turrão.

- Sei que você não vai ler esta carta mesmo. Acho que vou parar por aqui.

- Não te entendo, não vai ler e acha que a carta é muito curta.




O ponto final é ali. Mas o silêncio é sempre aqui.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Café gelado



Você deveria se comportar como um homem de mais de 50 anos – foi a pedinte frase que escutei sentado no café naquela tarde. A primeira impressão é que ela tinha invadido as minhas idéias além do que eu estava acostumado. O senhor costuma sempre vir até aqui? Não - rispidamente respondi. Acendi um cigarro, encarei seus olhos – ela balançou a cabeça e virou de costas para a mesa que eu estava.
Sozinho em meu silêncio primário eu fingia saber viver. Não tenho muitas palavras, sou um homem de poucas horas, quase nenhuma vontade, meu bel prazer está em fumar meu cigarro e não pensar no amanhã. As minhas maiores vontades eu carrego em meus dedos ásperos, herança da minha infância.
- Venha aqui, berrando falava e emendava – Hoje você vai trabalhar sozinho. Ele é apenas um menino. Cala a boca! ele vai aprender desde cedo a ser homem. A interpelação franciscana da minha mãe rasga as minhas lembranças e debruça sobre os movimentos a minha vida.

- Filho, feche os olhos sempre diante de um infortúnio – eu poderia espremer os meus olhos, mas não podia me limitar a não escutar as injúrias e tilintares que vinham do quarto. A primeira impressão que eu tenho gravada em mim é desta época da infância, poderia não saber direito o que era a vida, mas desconfiava que o filho da puta do meu pai surrava a minha mãe. Minutos depois mamãe aparecia com uma vermelhidão no rosto, me olhava com o canto dos olhos e interpelava ao meu favor como quisesse dizer – o mundo não é tão bom quanto os seus olhos de menino queriam ver.

Hoje recluso a estar com as pernas esparramadas neste café, o tempo não passa sem deixar vestígios de acontecimentos que já foram um dia, eu não consigo deixar de lado a aspereza que carrego em meus dedos e na minha cabeça.

- Fumo enquanto caminho, vejo umas pernas bonitas, mas não posso ser aquilo que eu nunca deixei de ser.