terça-feira, 30 de dezembro de 2008

OS

Tocavam a campainha do apartamento ao lado, sempre no começo de tarde. O azul da tarde invadia a sala e calmamente junto ao silêncio sentenciavam o peso vespertino. Abraçada a sua solidão pegava recortes de coleção de revistas de moda de invernos passados. Todas as modelos muito bem vestidas, bonitas como fossem incólumes ao tempo. Urgentemente se perguntou em que estação estava, a preocupação lhe doeu os ossos, por um momento ficou com remorso de estar restrita ao verão. As folhas secas desta estação eram sobras da primavera que adoeceu no mesmo sentido do seu coração. Sentia falta de todos os momentos que restavam da sua ultima saudade adormecida. Em sonhos não despertados pelo inescrupuloso despertador ela tinha duvidas em falar sobre certas coisas. Entre todas suas opressões mais expostas estava o receio de falar a respeito do amor. Acreditava que todos os modelos de amor, quando posicionados em escalas evolutivas de contagem, perdem o sentido para as banalidades de outros ângulos míopes da vida. Ficou com medo de voltar a falar de amor, pelo menos nesta tarde. Sentia remorso de ficar sempre com lembranças que a aturdiam e depois permaneciam em sua cabeça como fossem partes de sua família. O cachorro do apartamento ao lado estava sozinho, aliás, sempre ficara sozinho durante as tardes, seus donos saiam para cuidar das suas vidas profissionais - ele não parava de latir quando escutava a campainha tocar. A campainha tocar é um sonido propagado por alguém que chegou. Muitas vezes me sinto como um cachorro trancado dentro de um apartamento, não que eu tenha vergonha de latir, mas eu divago, penso em prosa e viajo na poesia do sentimento. Quem saiu, não voltou mais, deixou apenas um maço de cigarros e um cartão amassado do natal de 88 – Seja como for, seja sempre amor, seja sempre você, amor, amor meu – estava impresso em letra cursiva. Ler isso é agredir minha alma, porém como sou duas, agrido a alma e purifico o corpo. Volto a relembrar quando eu lhe perguntei certa vez umas duvidas sobre o que sentira na época – Você me ama o suficiente para sentir que ama de verdade para sempre? O sinto na minha frente dizendo com os lábios quase encostando um no outro – Certamente a amo, mais que possas imaginar e menos que possas sentir – falado isto, punha-se a sorrir, um sorriso que seduzia mais que qualquer outra coisa no mundo. Nestas horas eu me punha de pé, jogava as costas para trás, admirava meus seios e dizia olhando para ele – Viver apenas uma vez com você não basta – os sorrisos dos dois abriam dois mundos de amores conjugados de sinceridade.
Tais palavras rasgavam a sua doce garganta e feriam fonemas que alucinados estavam por não poderem dizer um nome. Terrivelmente os sentimentos não dormem dentro de mim, me acordam toda madrugada por volta das 3 horas da manhã. Mesmo acordada sinto a recordação de mãos dadas com os sentimentos lá próximas daqueles retratos empoeirados e bonitos. O que mais me incomoda todos os dias ao acordar em casa, é que neste apartamento sou obrigada a domesticar todos meus anseios e conviver com meus desejos. Quando estou no trabalho, volta e meia sempre estou com a cabeça naqueles dizeres do cartão, principalmente em sua parte final – seja sempre você, amor, amor meu. Estranho que mesmo quando estou com alguém diferente, não que seja implicância ou comparação minha, mas não o tiro da cabeça, os versos crescem e já formam um mosaico de frases e sentimentos tão bem guardados aqui dentro de mim. Entusiasmada com o momento vespertino e azul da tarde exclamou – vivemos para o agora e para as lembranças – sorriu, como fizesse questão de pedir desculpas por nascer e morrer nos sentimentos. Resolveu fumar e a cada trago voltava a pensar mais em tudo o que mais lhe assolava e consolava. A campainha do apartamento ao lado continuava sempre a tocar durante as tardes.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Senhor, seu troco.



A praça Zacarias sempre foi o lugar do centro da cidade que mais gostei de ficar. Ali é legal, têm o chafariz, a Lancaster, a Marechal e um prédio com 25 andares o edifício Acácia. Os dias de calor eram divertidos, usava o chafariz para mergulhar, brincar com a água expelida pelos arcanjos. A noite dividia a marquise das Pernambucanas com mais alguns amigos, todos nós usávamos papelões oferecidos por um dos guardiões da loja. Sujeito impar, além de não nos maltratar, arrumava o material de nosso dormitório e nos protegia. Pela manhã gostava de subir até a praça Carlos Gomes e perambular por todos os bares do entorno, pedindo dinheiro as pessoas. Sair a caça de moedas pela manhã sempre é mais fácil, as pessoas com pressa de chegar ao trabalho, mal tem tempo de questionar para qual finalidade é o dinheiro. Simplesmente enfiam a mão no bolso e despejam em minha mão. Já tive sorte de pegar cinco reais, uma nota bem amassada é verdade, provavelmente doada sem querer. Situações como esta são raras, normalmente precisamos beijar as pontas dos balcões das lanchonetes e encarar o corpo dos homens para pedir uma moedinha. – Tio me arruma um trocadinho? Tio me arruma um trocadinho? Quantos vezes a pergunta repetiu-se e nenhuma reação foi diagnosticada. Quando não arruma-se moedas, se conversa com outros amigos e nos viramos na tentativa de inventar a vida. Depois desmaiamos encostados na moldura que circunda o chafariz da praça, ali ficamos expostos a deriva do tempo. Perdidos em nossos pensamentos descobrimos o quanto a inocência não tem sentido quando ela é preparada em plásticos coloridos. Não temos muito tempo para continuar a deriva do tempo, precisamos voltar a pedir, mas pedir é tão indelicado, as pessoas tem medo de nos olhar, agredimos com nosso semblante pérfido de valores, por mais que saibamos diferenciar as coisas. Em uma manhã de junho a chuva caia forte, batia nos ladrilhos da calçada e rebatiam sobre nós e nosso papelões. Era perto das sete horas da manhã, olhei para Castorzinho e pensei, a gente poderia levantar daqui e ir até a panificadora do Português que ficava distante quatro quadras da marquise da Pernambucanas. Resolvi não falar nada, afinal, entre convidar mais um e ter que dividir um pão, preferi ir sozinho. Chegando a panificadora ela encontrava-se com algumas pessoas dentro, fiquei encostado na porta na logo na entrada e ali fazia o cartão de visita:

- Senhor, você me arruma um trocado?
Fazer a pergunta na entrada é sempre mais fácil, afinal já sabia se receberia alguma moeda ou não. Muitos que passaram por ali deixaram um trocado do troco. Consegui somar moedas e tinha dinheiro suficiente para tomar um café preto bem quente e comer um pão com manteiga na chapa. Neste tempo em que estive na porta da panificadora do Português, Castorzinho que logo após a minha saída também levantou-se e perambulou pela praça atrás de algo que pudesse sustentar o vazio que a vida naquele instante estava. Foi pelo caminho mais fácil, em uma distração do dono da banca de revistas pegou 70 reais e fugiu em direção a panificadora. Quando chegou estava atônito e quase sem conseguir falar, me disse:

- Toma! E saiu em disparada.

A sua camiseta branca com a impressão de uma escola municipal estava com as costas toda marcada de água suja, resultado da velocidade dos seus calcanhares sobre as pedras da calçada molhada. Não tive tempo de ver o que era, muito menos de saber quanto de dinheiro tinha ali. Antes mesmo de eu me sentar em uma das cadeiras de pernas compridas e com assentos revestidos de espuma coberta com courino bordo, chegou o seu Rogério e dois policiais.

- É esse ai?
- Esse aqui mesmo?
- É.

Venha vagabundo.

Depois desta manhã tudo mudou. Não preciso mais sair cedo e pedir moedas na saída da Lancaster, confeitaria dos bacanas, ou ainda, ir até a Panificadora do Português. Tenho café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Porém troquei a praça, o chafariz e seus arcanjos por um quadrado cercado de 2x2 em que divido com outros 8 meninos. Aqui somos tratados como fosse a tradução de como as pessoas pensam em nos chamar na rua, porém, grande parte delas não chama. Aqui tudo tem horário, mas muitas vezes somos acordados no meio da noite por um funcionário, que diz com voz embriagada: - Qual de vocês vai ter o privilégio de sair da companhia dos outros? A gente nunca sabe quem é, mas afirmo, que neste caso ser, não é nada bom.
Quando o funcionário não me escolhe para sair por algumas horas daquele espaço cinza 2x2 eu consigo fechar os olhos e reconstruo a Praça Zacarias, o seu entorno e até a banca de revistas do seu Rogério, local em que muitas vezes eu ainda com os cabelos desgrenhados e olhos nublados do sol matutino tentava ler as primeiras páginas dos jornais pendurados e fixos por grampos de roupa, estes iguais aos que as donas de casa usam no dia-a-dia. Aquilo que eu não conseguia entender perguntava aos transeuntes, mas grande parte das vezes continuava a não entender.
O momento que mais lembro da praça, dos trocos dos senhores no centro da cidade é quando os meus olhos fechados não conseguem suportar as lágrimas que o transpõem. Isto sempre acontece quando escuto música clássica, cigarro e ofegância. Muitas vezes perco a conta de quantos cigarros tem no cinzeiro e quantas vezes a mesma música clássica ecoou. Tudo culpa destes plantões longos, intermináveis, eternidades de uma tarde.
Certo dia ao ser novamente o escolhido para acompanhar o funcionário antes de começarmos mais uma atividade percebi que a sala de paredes brancas e uma mesinha de madeira com duas cadeiras pretas também tinha uma mesa improvisada no canto esquerdo, ali percebi que tinham uma garrafa térmica e um pacote igual aos da padaria do Portuga.

- Você não me arrumava uma xícara de café preto e um pão com manteiga.
- O que? Vai se foder, porra!

Mal tive tempo de retrucar algo, já sentia aquela esbaforida de cigarro romper a minha orelha direita e escutava uma voz que dizia:

- Você quer café? Está de brincadeira comigo.

Depositado naquela situação sempre falava:

– Senhor, seu troco.




sábado, 27 de setembro de 2008

De Bach a nada



Tempos depois. Não foi a primavera que chegou, deixando o enrustido frio acariciar as bochechas das pétalas amarelas, pegas nas mãos de outras vermelhas e ainda esquecer algumas descoloridas sem o apego da friagem não convencional para um começo de primavera. Sentido para uma noite em que o silêncio tem sinfonia, o lado esquerdo do maestro, este, aponta para reger a orquestra. Sentados algumas pessoas, entre eles, umas senhoras desacompanhadas, uns senhores com seus chapéus de feltro desbotados e alguns guris e gurias, talvez, filhos, netos, enfim, netos ou bisnetos. Todos da platéia enternecidos do momento - maestro-orquestra. Na saída às senhoras que não têm seus pares, olham com olhos de desculpas para as mãos gélidas. Os homens dos chapéus, os sozinhos, sentem que a natureza impar é implacável com a sensação rompante do momento. Em poucos momentos as portas do teatro se fecham. A orquestra sinfônica guarda os instrumentos. As cortinas rubras que fechadas estavam ao fim do espetáculo se abrem novamente. Muitos homens ali que há pouco seguravam com exuberância trompetes, saxofones, clarinetes, baquetas de percussões, agora, também sentiam o peso do frio deste começo de primavera. Isolado, sentado na segunda fileira de cadeiras estava o maestro. Muitas partituras em suas regências. Bach, Mozart, Tchaikovsky, Strauss, Beethoven, Chopin, misturavam-se ao seu acervo sentimental que circundava suas memórias e emergiam para as fronteiras de olhar implicitamente como tudo fosse apenas uma sinfonia em um compasso longo e torto.
Um prato escorregou da mão de um dos músicos e acariciou o momento. Em forma de diapasão da realidade. Afinou a sentença do momento. Melhor, tentou aproximar-se da melhor nota que pudesse confortar o momento. Flashback atiçará seu comportamento isolado no momento. A claridade azul do céu noturno feria o gesso do teto do teatro.
Nada importava tanto quanto voltar tempos atrás e presenciar as lembranças mais incólumes do seu temperamento introvertido. Um zumbido de assovio de um dos músicos completava a chamada que o palco estava desocupado.
Em passos rijos caminhou em direção a saída principal do palco. Chegando quase na porta de saída, olhou mais uma vez, a esperança era que o momento voltasse a suas lembranças. Mas, quais lembranças poderiam subverter o sentido de um homem que sempre teve seu lado esquerdo salpicado de notas musicais misturados a vilipendiação dos odores provocados pela saudade de quem sempre se absteve de caminhos mais curtos na primavera.
O frio enrustido do inverno invadiu realmente a noite de começo de primavera. As mãos gélidas todas estavam, as das pessoas ímpares e pares. Por alguns instantes o homem detentor de uma imensa falta particular foi cumprimentado por diversas pessoas. Todas sorrindo e agradecendo o concerto exuberante. Entre sorrisos previsíveis para ele e imprevisíveis para os outros agradeceu os senhores e senhoras.
Os guris e gurias, talvez, netos e bisnetos contavam as estrelas das constelações aparentes no céu. Nenhum dos senhores ou senhoras impares tornaram-se pares na noite.
Como uma sinfonia findada o silêncio e as lembranças se abstraíram de verdade, enquanto lá dentro do teatro...

domingo, 10 de agosto de 2008

O dia do analgésico




Imagem limpída com cores altamente definidas, volume ajustado para não equivocar o momento. A televisão apresentava mais uma das suas programações factuais com a tarde de domingo. Ali, era possível identificar o quanto o tempo fica recluso, pelo menos para um expectador de um programa de tv. Tudo passa tão veloz que nem mesmo as palpebras conseguem muitas vezes acompanhar. Cansada daquela cena inofensiva de pensamento, pegou-se a imaginar o quanto a vida seria diferente sem a atenção destinada a programas dominicais desassisados.
Levantou-se e caminhou até o escritório, lá visualizou alguns livros, arrumados pela ordem de nome da obra. Uma classificação diferente e muitas vezes mais difícil da convencional – sobrenome do autor, ou ainda nome e sobrenome. Volta e meia perdia-se na escolha da obra, visto que o esquecimento é inerente aos traços pessoais da grande maioria das pessoas, porém mais presente nela. Desfilou os olhos sobre a variedade de livros que ali estavam, uns empoeirados e com traços amarelos do tempo.
O tempo passava e sua fúria começava a incomodar, não sabia mais o que fazer. Voltou até a sala, pegou o controle remoto e abaixou o volume que de ajustado, passou para desajustado naquele momento dante de ser. O televisor permaneceu ligado, apenas para satisfazer que a solidão de domingo não poderia ser maior que o silêncio.
Retornou ao escritório, agora munida do seu cigarro que ora estava entre os dedos de sua mão esquerda e ora estava no centro de sua boca. Tentou mais uma vez achar o livro, mas não lembrava de nada, parecia que as lembranças factuais tinham apagado o nome emblemático daquele livro. Se pelo menos lembrasse o nome do autor, mas isso de tão fácil, tornou-se absurdo para o momento.
Não obstante da procura, olhou para os livros da fileira próximo ao chão. Os seus mais de 1.70 poderiam ser um incomodo, mas não poderia deixar de achar o livro que tanto queria. As costas mal posicionadas estalaram, a bunda praticamente encostou nos calcanhares, pronto a posição de cocóras se consumiu. Sem muito a pensar, puxou alguns livros para o chão, entre os caidos, pegou um pela capa.
Contou até três. Um. Dois. Três! Lá estava uma página totalmente preenchida . Impressão leve, o tempo não apagou uma letra sequer, apenas algumas manchas, marcas pessoais do tempo. Mais do que estes detalhes, ali naquela página estava escrito aquilo que ela tanto precisava reler, mesmo que esta obra não fosse a que tanto desejasse. Pegou uma caneta bic de cor azul, arrancou um papel de sua agenda e começou a escrever, uma espécie de parafrase do romance – Hoje o silêncio se fez música. A música sinfonia. De sinfonia em sinfonia a textura do momento mostrou a vida.
Assim, a tarde de domingo deixou de ser equivocada em programas de televisão. O pensamento singelo e prazeroso da leitura daquela página iriam perdurar para o sempre que quisesse manifestar-se.
O nome do autor não reapareceu em sua memória. No momento a procura por um analgésico caso não encontrasse incomodaria mais.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Ciúme moldado

Desgraçado, você nunca me amou! Todo este tempo em que estivemos frente a frente pouco importou para você. Será que alguma noite em sua vida você me olhou e conduziu afeto descente? Desapareça da nossa casa. Espero nunca mais vê-lo. A voz alta e agressiva era única naquele quarto. Luiza transpirava insistentemente e não controlava a ávida vontade de meter um tiro na cara do seu esposo de outrora.
Acreditei em tudo o que ele disse, como pode, fui infantil demais em acreditar nas justificativas pautadas em compromissos de trabalho. Que ótima atriz eu fui em acreditar na mais bela e ridícula cena que esteve em cartaz em mais de quinze anos. O ódio domesticava-se e exalava uma vingança que poderia tomar caminhos terríveis. Caminhou até a cozinha, pegou um copo de água e misturou com açúcar, singela receita herdada das tardes na casa da avó, quando nervoso apenas um defeito de criança mimada. A boca adoçada e as palavras amordaçadas estavam agora em conflito com seu mundo mais exposto no sentimental. A pergunta mais recorrente baseava-se no conceito de amor jurado frente ao altar e confessado ao longo dos momentos em que eram apenas um com o outro. Julio, você é responsável por eu estar assim, será mesmo que nunca mais aparecerá aqui? É dolorido admitir, mas você poderia aparecer e quem sabe com as almas mais leves e os pensamentos menos cansados a gente não resolve esta situação. Não, não acredito em dualidade por amar um homem que não sei se disse a verdade nem frontal ao altar.
O trajeto mais complicado seria chegar ao quarto e olhar aquele imenso vazio ocupado por um criado-mudo, com retratos felizes do casal, guarda-roupa com imenso aroma do perfume do ex-marido. Mas, o pior seria enfrentar o largo espelho e visualizar-se desacompanhada. Esse espelho tem marcas de uma história, hoje maculada por saber que o amor, aquele mesmo amor que toda noite deitei na cama e declamava antes de dormir, foi uma mentira, um insulto ao que julgam ser amor. Será difícil conseguir voltar viver tranquilamente e felizmente depois de quinze aniversários de casamento lado a lado. Durante todos estes anos fui à mulher verdadeira, sem deixar de fazer nada, tudo que poderia fazer eu fiz. Vida, minha vida, com tanta gente errada no mundo você fui justamente me escolher para ser escolhida desta peça sem alquimia? Será que meus seios estão mudados, minhas pernas finas e com varizes, ou então, sou uma mulher frígida? Não procuro com perguntas responder a minha angustia, mas responder a mim mesma.
A esposa dedicada transformou-se em mulher frustrada em duvidas que até horas atrás não faziam parte da sua vida. Luiza começou a decompor seu sentido das proporcionalidades do amor ao escutar o discurso do então seu marido Julio.

Meu amor, eu tenho outra mulher. Antes de você se pronunciar, deixa eu terminar, prometo ser breve. Faz um certo tempo que vivo com uma pessoa, um pouco mais nova que eu, porém alguém que desde o dia em que a vi, não pude conter o puritanismo do casamento jurado a você, há quinze anos atrás. E você fala com toda esta naturalidade, Julio? Espera, tem mais uma confissão que gostaria de mencionar. Durante nosso matrimonio eu a trai diversas vezes, mas nunca foi nada sério, eram apenas noites e momentos que eu buscava uma companhia.
diferente, porém o amor era sempre todo teu. Mas, agora é diferente estou apaixonado e talvez cego de estar a confessar isso para você, que ao longo de todos estes anos foi minha companheira em tudo.

Desgraçado, você nunca me amou.

Aquela terça-feira de um começo de noite do dia 16 de abril de 1986 foi o começo daquilo que os muitos podem chamar de drama familiar, mas a mulher perplexa diante de tantos dilemas colocou-se a olhar-se no espelho e se encarar de todas as formas.

sábado, 26 de abril de 2008

Açucar na toalha da mesa



O inverno chegou. As roupas precisam serem lavadas para retirar o aroma das estações passadas, que a este momento estão impregnadas do cheiro do guarda-roupa.
Sem tricolejar muito, ergueu um dos sapatos, para verificar o real estado da graxa. O solado está deteriorado, a cola soltou-se das laterais e com os dias umidos do inverno a possibilidade de ficar com a sola separada do pé é alta. Não seria uma ação conveniente, possivelmente seu pé exposto no chão ganharia uma friagem mensurável com a dilatação do seu corpo franzino. A resposta do chão com uma temperatura inferior a 3 graus seria prejudicial, um choque quase térmico.
A coloração roxa denunciaria que aquele corpo foi maltatado pelo frio insolone em castigar os mais desavisados sobre a baixa temperatura nas calçadas geladas da cidade.
O céu plúmbeo de final de tarde, transição para uma noite sem estrelas, era convidativo para ir perambular e ler as manchetes da bancas de jornal.
Mas, aquelas manchetes policiais expostas eram um atentado violento sobre suas idéias para aquele dia. Colocou-se a mudar o itinerário e resolveu ir parar em uma banqueta de lanchonete, a fome matinal o fazia salivar excessivamente por um pão quente coberto de manteiga e uma fatia de queijo. Ao fundo do balcão uma das atendentes trocava incessantes olhares com um sujeito, que vestia uma camisa de cor forte, uma coloração próxima de turquesa. Os dedos das mãos eram ocupados por anéis que o faziam parecer ser um ladino típico. A voluptuosidade das trocas de olhares não o permitia lembrar do pão com manteiga e uma camada fina de queijo.
Moça, por favor meu pão!
Ah, sim! Aqui esta senhor. Desculpe a demora.
Um pedido de desculpas com jeito de querer ultrapassar as fronteiras daquele balcão e estar perto do sujeito ladino de camisa de cor forte. Enfim, passados olhares incessantes e pouco mais de dez minutos o delicioso pão chegou até a suas mãos. Veio em um prato de porcelana, que tinha um tracejado azul, tentou ler o que estava escrito, mas o tempo apagou. Enquanto saciava a sua fome matinal é fitado novamente pela atendente, uma menina, na faixa dos seus 19 anos, que insinuava cenas para o homem da mesa. Em um dos raros momentos que olhou para trás, percebeu que o homem era bem mais velho que a bela atendente e no bolso frontal da camisa carregava uma carteira de cigarro, pareceria ser Marboro.
Saciou a vontade. Levantou, pagou a conta do pão com manteiga frito e uma camada fina de queijo. E, voltou a caminhar, sem itinerário convicto. Sua única certeza era não perder a atenção nas manchetes de jornais e nem imaginar mais uma fome proporcionar uma cena como a presenciada na lanchonete.
Antes de retornar para casa, precisou abrir seu guarda-chuva, uma leve garoa começava engrossar. A temperatura caiu absurdamente, aproximava-se dos três graus, porém a sensação térmica era infinitamente maior.
O desbote do sapato com a chuva pareceu brilhante. E, a cola, não soltou mais, não foi desta vez que sentiu seu pé encostar o molhado do chão frio.
Quis correr para voltar a frente da lanchonete e presenciar aquela cena não tão interessante, apenas condizente com aquela tarde. Mas, antes de sair em passos apressados lembrou da falta de cola no sapato.

domingo, 13 de abril de 2008

Um novo lugar




A voz embargada dos soluços itinerantes daquela tarde não permitiam falar com muita clareza, logo naquela tarde resolveu gravar alguns versos soltos e palavras mofadas pelo tempo em que estiveram guardadas na espera de surtir efeito.
Discretamente fechou as janelas, correu a persiana clara da sala e sentou-se no sofá coberto por cetim manchado de coca-cola no braço esquerdo. Pegou o gravador, um modelo básico, mas suficiente para armazenar e reproduzir aquelas singelas e honestas palavras derivadas das noites em que os momentos demoraram a passar, e até os pés vestidos por meias de algodão incomodavam.

Sozinha na sala, sentada frontal a mesinha de centro, que tinha um relógio de ponteiros,
ganho na renovação do seguro residencial, mas que no momento estava com o ponteiro dos segundos desregulados, um cinzeiro carregado com cinzas dos cigarros tragados naquele dia, uns prontuários médicos guardados para futuras consultas, e o controle remoto do televisor.
Neste espaço amplamente ocupado por diversos objetos carregados de significados, conseguiu colocar o gravador em um dos poucos espaços livres da mesinha e permitiu-se a falar. A dificuldade maior seria ultrapassar a barreira sintomática dos soluços, a cada palavra proferida, parecia a garganta não permitir o termino correto da frase. Aquelas colocações pareciam ser ditas para corromper o sarcasmo da dor, porém isso não poderia ser verdade, a dor daquele momento, foi martirizada por muitos momentos em que resolveu ficar quieta, e deixou os seus anseios serem mais medrosos que a verdade.
Depois de muito relutar contra o soluço, lembrou dos conselhos tradicionais do senso comum e resolveu tomar um copo de água com açúcar. Ao primeiro gole o trato vocal devorou o doce, escandiu a dor, difamou a solidão, parecia que ali nasceria um novo momento, uma nova divisão do planejado.
Voltou ao sofá, mas desta vez optou por sentar-se na margem direita, oposto a mancha de refrigerante. A irrisória velocidade das palavras, contornou os soluços das gravações, que tornaram-se galhofas ao serem escutadas.
Na realidade aqueles espasmos de sorrisos foram o suficiente para ela entender que a vida muitas vezes não tem o contorno que tanto as pessoas a atribuem, por muitas vezes, perdida na busca pela perfeição, por tentar encontrar o tom certo para suas palavras, perdeu as oportunidades de falar, de escancarar a solidão e tentar jogá-la na lixeira mais próxima.
Desgravou todo o conteúdo registrado durante a crise de soluços, resolveu começar novamente, repetindo-se, não alterando o conteúdo das palavras, a coesão das frases.
E, com a suavidade dos sentimentos divididos com o silêncio, pôs-se a falar sobre a casualidade bela da vida, que entre tantas condições belas da vida, poucas tem o sentido, o peso e a plasticidade da casualidade.
Continuou por mais de trinta minutos a discursar sobre a beleza da casualidade, depois viria o viver que ultrapassa o abstrato do platônico e perde-se nas condições prazerosas do olhar.
Quando passou a perceber o olhar sincero e franciscano perante algumas pessoas da sociedade, que são mais preocupadas com a cor do vestido da mulher ao lado, acreditou que mesmo com a voz soluçante, consegue ser mais atrativa para reconhecer a vida, que quando permitida, acontece em qualquer esquina, ou cômodo de algum apartamento.
O copo de açúcar passou a ser o coadjuvante mais necessário em suas leituras e interpretações do mundo.
A mesinha de centro da sala passou também a hospedar um copo e um punhado de açúcar seco, restos dos últimos instantes a partir daquela tarde.

sábado, 12 de abril de 2008

Palavras de Outrora: Costas cansadas

Palavras de Outrora: Costas cansadas

Costas cansadas

A cena

a calçada gelada
permite a famigerada
costela fria e doente
castigada das noites
mal dormidas


A cidade

as luzes refletem
imóveis sombras do calçamento
as pedras misturadas
na coloração preto e branco
moldam o reflexo
das vitrines perdidas
entre tantas desgraças


Os homens do outro lado da rua

espiam com sordidez
a serventia da vida
naquela noite fria
onde os sonhos
são tentativas nulas



O corpo

deitado o homem
parece um retrato
sem cor ou forma
sem cheiro ou gosto
de um prazeroso
prato de feijão



Algumas horas depois - Cena II

a calçada mais gelada
nua do silêncio da madrugada
é o purgatório
da deteriorada história


O Homem

o prazer simples
é sentir o gosto
de um mísero prato de feijão
e acordar

sábado, 22 de março de 2008

Café sem açucar




É cedo, à campainha do apartamento 27 do edifício Pablo Picasso tocou. Angelita em passos espaçados chegou até a porta. Ao abrir deparou-se com a figura de seu ex-marido Antônio, que vestia uma camisa branca e um blaser preto um tanto desbotado. Os olhos se encararam sem nenhum sentimento decorado, fazia exatamente 14 meses que não se viam.

__ Angelita, perdoe-me pela hora, mas passava por perto e não poderia deixar de vir visitá-la. Algum problema?

__ Não, fora meu espanto e palidez matinal, tudo normal. Entre! Enquanto faço a higiene bocal, sente-se e leia o jornal, aliás, atente para a crônica do Cony.

Sem muito jeito Antônio folhava o jornal, e timidamente olhava os cantos daquela sala, as costuras do sofá, e as pinturas dos quadros adquiridos em passeios pelo litoral catarinense. Tudo era tão nada perto das sensações daquelas leituras infundadas de manchetes exageradas.
Impaciente pela demora da ex-esposa, colocou-se de pé, frente à porta de vidro da sacada. Na praça em frente do Pablo Picasso crianças davam o tom daquele começo de manhã. As folhas secas da falta de chuva, os gritos das mães desesperadas com a leveza dos dedos na boca, após segurar nos ferros de suporte de balanças contaminadas de monóxido de carbono da cidade.
Seus pensamentos dispersos entre o lúdico daquela praça e as lembranças da sala de estar daquele apartamento misturavam-se ao odor da sensação de ver a parede pintada de cor diferente, de o tapete ter outro desenho, de perceber que o cesto de vimi do gato persa não estar mais próximo a parta de acesso ao corredor de acesso aos quartos.
A pergunta mais coloquial em seu interior era a mais simples de todas, será que Angelita tinha arrumado um outro namorado, marido, ou caso. As interrogações se aguçaram em seu instinto masculino, mas o limite das suas duvidas esbarrava no ficcional de não transparecer o seu frágil momento a ex-companheira. Antes de esbarrar em mais uma duvida traidora, Angelita retornou da sua higiene matinal. Ostentava um penteado cheio de glamour, e tinha seus olhos contornados por um lápis mediano, que deixava aqueles lindos olhos castanhos claros sobressaídos.

__ Desculpe a demora, mas resolvi me arrumar para ir ao trabalho. Vou preparar um café na cafeteira, mas somente tenho leite em pó, aceita?

__ Logicamente, faz algum tempo que deixei o meu egocentrismo exonerado no passado, atualmente importo-me muito mais com o momento, com as lembranças, com o despertador que a companhia me convoca.

__ Interessante, percebo o quanto você mudou, pelo menos seus discurso, hoje extrapola a sua pessoa. Sabe, percebo o quanto é patético essa síndrome de mudança que tentas habituar a si mesmo, acredito que a aceitação de tomar um café com leite em pó é meramente factual com a tua intenção em tentar descobrir o que tuas insolentes perguntas intimas o fazem.
Posso estar totalmente enganada, mas quem nunca enganou-se, ate mesmo Aristóteles talvez tenha enganado seus alunos, Maquiavel tenha enganado a rainha, ou você tenha enganado as suas famigeradas angustias.
Tenho vontade de gritar, olhar pela vidraça da sacada e dizer bem alto: “Crianças, cuidado, o amanhã pode não reservar nada além de ressentimento”. Seria a apoteose da decadência moral da minha verdade, que ficou escondida tantos anos entre os mesmos lençóis que você. Antônio tentou ir além do dedo riste, mas a ex-esposa, em tom agressivo, esbravejou, não diga nada, tudo que tem direito é não dizer nada, calado você vai sentir o quanto o silencio é penoso para quem tanto fez isso para motivar os outros.
Eu deveria ser severa e castiga-lo com o abismo da dúvida, mas a minha bondade matinal não foi esquecida, após estas breves verdades, posso entre uma xícara e outra de café falar um pouco sobre o apartamento, os quadros, as paredes pintadas de um tom mais azul anil.

__ Angelita, prefiro não saber nada, a pior maneira de pagar os meses e toda a balburdia apresentada é com esta sofreguidão de ver o quanto esta no mesmo patamar que estive quando sai de casa. Não acredito em frases e discursos feitos, mas hoje percebo quanto o mundo para você mudou. A cor dos seus olhos é brilhante, a forma do seu corpo é atraente e você é uma mulher que tem usa sua fala para pressupor muitas coisas, entre elas o asco das minhas atitudes.

__ Muito grato pelo café, perdão pela repentina visita logo cedo. Um bom trabalho e um dia nos falamos.

A saída da pequena mesa da cozinha foi uma forma sem sentido para as pretensões dos dois. Antônio deixava aquela cena dolorido na mudança proporcionada pela tentativa de reaproximação de Angelita. Enquanto Angelita percebia o quanto ainda sentia seu coração palpitar por aquele sujeito prepotente de ações muitas vezes doentes.
O aperto de mãos na despedida na porta significou que os olhares culpados e carregados de solidão na chegada da visita matinal eram agora despretensiosos e leves de culpas. A única questão que ficaria perdurada talvez para sempre fosse que tão quão ordinária eram estes sentimentos impostos.





quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Validade mofada



O velho engole compulsivamente sua saliva. Os olhos fitam um ziguezague sem penar na modéstia de um anjo arlequim. Foste o tempo em que amou, agora a tarde é mais uma janela aberta para a momentânea saudade. As mãos tremulam, uma inquietação adormecida perturba o degenerado homem habitual da suas tardes em cadeira de balanço.
O jornal solta tinta, vogais soltas misturam-se com as digitais mal resolvidas das lembranças impostas por estes tantos e poucos anos de vida.
A casa de madeira fina e velha chegava a dobrar algumas quinas de tão deteriorada pelos cupins armazenados. Os quadros da família voltava-se para o contrário da sala de estar, o balanço do chão afastava cada passo mais forte um pouco mais daquilo que eternizado, mofado e cheio de pó, era sua presente lembrança mais evidente.
Acende o décimo primeiro cigarro do dia, faz um esforço autêntico para tragar o mínimo possível. A tosse exala uma ronquidão surreal, os brônquios interrompidos, a respiração comprometida, uma sinfonia de tosses e mais tosses desimpedidas de aparecer e reaparecer cada vez mais seguidas. O bolso da molestada camisa de algodão vermelha ainda guarda mais uns quatro cigarros, sobras da noite passada. Seus olhos continuam a fitar, não mais o arlequim, muito menos o querubim, mas sim, a disposição dos cigarros em movimento a cada propagação da tosse combalida do peito. Escorrega na face suas mãos tremulas do tempo, dedos indicadores e médios contornam o rosto, desenham círculos imaginário de passados impiedosos com marcas.

As pequenas lembranças não têm força para serem esquecidas, o mundo passou em sua frente com a velocidade dos vídeos - tapes, e os momentos recordados em tempos seculares.
Sentado em sua cadeira de balanço feita com balaio tingido de verde, o velho retoma a linha de pensamento da vida. Exonera a idéia da tosse imperfeita, reconstrói imagens detalhadas da sobriedade com intuitos de saudade.
Morria e vivia a cada amanhecer. Indiferente ficava quando não acordava com o canto pastoril dos pássaros bucólicos, algazarras dos gritos de meninos e passos vespertinos, dos corpos expostos ao sol.

A erva-cidreira exalava o aroma do chá que ajuda a zelar seu sono em conflito com a rouquidão do peito.O velho cuspe, tosse, recorre a sua alma, mas não sabe ao certo a razão de tudo terminar assim. Defenestra o passado, revoga o futuro, e não consegue sentir o presente.
Alguns sussurros de saudades e ausências que não entendia são a parte mais confidencial de um homem em conflito. Assoviar não consegue mais

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Pálpebras fechadas




O gato espreguiça-se sobejamente entre o vaso azul e o aquário que decora a sala. A sua vagarosa saída do seu descanso relaciona-se com o ânimo, de quem sente as frações de sol, que esquentam o tapete da sala.
Aproveita o momento, e delicadamente, salto sobre o sofá, que recolhe umas toalhas bordadas, sobras de estações passadas.
A cidade caminha urbanamente e violentamente, buzinas de carros apressados, gritos de pessoas no desespero do trabalho informal, o vendedor de dvd pirata, o pedinte, a cidade mistura todos, ninguém se salva, todos caminham para um sugestivo caos vespertino.
O barulho de vaso arrastado no apartamento ao lado, corteja o olhar do bichano, que não tem tempo de despedir-se, da mais nua realidade. Aquele som ensurdecedor não se prolonga mais do que três minutos suficientes, para fazer o pardo gato não voltar-se mais para saltar o sofá. Duas passadas expressivas e lá chegava o bichano à lavanderia. Varais entrelaçados com roupas coloridas penduradas confundiam os inertes olhos negros. Girava-se em torno do centro de gravidade daquele pequeno e úmido espaço. O tanque de roupas tinha um vazamento, que atirava gotas de água, que explodiam no piso, e, molhavam a sua pata.
A situação não o permitia continuar por ali, precisava alcançar algum outro meio, para conseguir uma iguaria apetitosa. Em sentido contrário ao tanque, contornou as peças de roupas, umas caixas de sapato e uma pilha de jornais passados. Seu estado lorde, não considerava que aquela cena estivesse realmente acontecendo, mas, na situação de buscar mastigar a fome, usou seus gracejos de gato do mato. Uma lambida, duas lambidas, um balbucio no prato de comida, e, pronto, o gato estava pronto para mais algumas horas de estulto.
Voltou-se em sentido de guarda imperial, estufou os pêlos do peito, parou no meio da sala e passou a observar o rasante dos peixes. Poucos minutos de olhares incestuosos, já sentirá suas pálpebras colidirem uma na outra.
Uma infinitude de vozes passeavam por sua memória, discursos infectados de moscas gratuitas. O pavor de perceber e não poder corrigir o lamento das discussões anteriores, de não impedir o abismo de sentimentalismo, executado, dia a dia, com a inauguração repetida de sentimento.
A volúpia de reencontrar a sala vazia, o livre desfile dos peixes, o vaso azul intacto, o deixam tranqüilo para continuar a cortejar o tempo isolado naquele ambiente.
Hoje as desventuras são figurações da memória, e agora pode voltar para seu canto e, apenas esticar as pernas quando a fome apertar, ou a sede exigir, elegantemente, o bichano se espreguiçara e prosseguira com a peleja de uma tarde sozinho.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Herança errada


A cortina aberta para o céu da noite revela o quanto os outros são somente os outros quando estão do outro lado da rua. Silêncio imaturo de mais um cigarro tragado, que traz perfume de outra estação. Depois que ficou sozinha, não precisou mais pedir licença.
Escreve suas antiquadas cartas, que sempre acabam rasuradas. Pés acelerados, trombam um no outro, mãos exageradas de marcas de caneta, respiração ardil, sinfonia banal de uma exagerada aceite na carta de recomendação. Que os urubus decorem seus passeios aéreos e não tragam barulho para as costas cansadas de tanto sentir o peso de pensamentos eloqüentes dos últimos dias. A falta de controle de suas ações, a fez pegar comprimidos, que estavam estacionados sobre uma pequena mesinha de canto, coberta por uma toalha vermelha, com as bordas bordadas em branco. Comprimidos que a permitiram a esticar o braço e pegar o telefone, a ligação era breve, apenas um sinal, que estava tudo bem. Deitou-se no sofá, levantou a perna esquerda, desfez a cara apressada.

Após tentativas mal sucedidas, resolveu voltar para seus fantasmas mais inglórios. A composição química dos comprimidos, já fora devorada com tanto vontade, que poderia fazer um atestado de todas as formulas da vida naquele momento da noite.
Os fantasmas são merecimentos dos restos de todas as chances que a vida apresentou, mas a sonolência dos sentimentos não permitiu.
A todo o momento sobra herança de alguma coisa, nada nasce e morre sem deixar uma herança, é certo, que algumas heranças não deveriam perpetuar, assim, os momentos seriam mais fáceis.

Voltou a sua carta de recomendação, pinçou e logo saíram uma meia dúzia de palavras, que não tinham em nada o tom amargurado da noite, nelas existiam um acre sabor doce, que as palavras salvam o mundo, e neste sentido a herança da noite era boa. Na falta de uma palavra, pegou o dicionário, dentro encontrou uma fantasma amassado, não inventou desculpa, e nem tentou justificar como fosse uma mensagem subliminar.
As suas heranças são merecedoras de seus próprios desejos, que sempre tentam conformar a solidão com apertos de mão. A misericórdia alheia nem mais assusta, pois já sente o quanto é mais saboroso guardar seus fantasmas dentro de seu apartamento.
Um trago a mais no seu cigarro abençoado e uma justificativa em olhar aquele vazio do seu apartamento e perceber que tudo tem sentido definido e, talvez os momentos silenciados nas palavras, sejam o único lugar ideal onde se imagine existir.

Fustigar silêncios

a escuto
como quem faz uma prece de silêncio

a vejo
sinceramente, um espelho ao avesso
com o rosto voltado para você mesmo

a sinto
quando não mais minto
para mastigar a inocência.

Voltas e revoltas



Cansada e fustigada de tanta violência em casa, Clara resolveu mudar. Por mais que se mudar fosse uma atitude incerta demais, ela precisava de uma chance para recomeçar distante de todos. As longas caminhadas pelas ruas infinitas da cidade a fizeram pensar inúmeras vezes em voltar para o capricho inocente do lar. A vida não estava fácil, a situação caótica do mercado de trabalho, a falta de experiência, e o pouco conhecimento do centro da cidade, a levaram a suspender suas tentativas em atração para não precisar mais se perder. Mesma contraria retornou para sua casa. Os ecoantes gritos do seu pai, e a harmônica submissão de sua mãe, a faziam ver como a vida não tinha nenhum argumento para ser inocente. Trancada em seu quarto, escutou mais algumas sessões extras de discussões familiares. A rotina em sua casa era assim.O mundo adolescente se compôs contrário a sua singularidade de sempre imaginar a vida sem plural de acontecimentos. Na rua sempre encontrava oportunidades que vinham de homens não muito interessados na experiência, ou falta dela. Os detalhes de sua pele clara, seus olhos castanhos claros e cabelos negros e lisos ocultavam as outras habilitações. Clara presenciou cada vez mais homens dispostos e serem empregadores com mais benefícios sobre a funcionária.O tempo passou, seu pai e seus gritos cada dia mais desafinados, não ecoavam tanto dentro de casa. Sua mãe agora já conseguia evocar sua opinião, principalmente nos assuntos que envolviam a filha. Clara já conseguira um emprego, conseguia instabilidade para morar sozinha e não precisar presenciar todas aquelas imagens e sons que a maltratavam diariamente.Aqueles belos olhos castanhos judiaram bastante de vários homens, mas especialmente em um, ele foi fundamental para mudar toda a história. João Carlos é um rapaz recém chegado de uma cidade serrana e é estudante de direito. Residente nas proximidades da universidade, acaba rendendo-se as festas e encontros universitários. Em uma delas, conhece Clara e naquele instante nada mais tinha valor.O conhecer arrebatador de João é apenas visual, não chegou a proferir uma única palavra. Mas apaixonado e perdidamente extasiado com o belo retrato construído da composição de Clara, ele passou a viver cada dia mais a imaginando. João não sabia, mas Clara nestas alturas já tinha marido, e estava com um bebê a tira colo. Neste intervalo de lembranças a viu, naquele instante o mundo parou e sorriu delicadamente. João aproximou-se e disse:

Oi. Tudo bem?

Sim, vou bem.

Clara?

Sim e você?

Belo nome, mas não sei quem é você?
Neste momento João sentiu que tudo o que sentia era puro delírio imaginário de uma paixão visual. Apenas despistou, inventou uma mentira qualquer e seguiu seu rumo.O ano passou, a estação mudou, mas Clara continua sofrendo as conseqüências de casar e ter que agüentar o autoritarismo do casamento. Seria o presente repetindo os momentos do passado. Certa noite lembrou-se que o nome do seu segundo filho será João. E não sabe o real motivo.

João .

O amor é acidente



O amor sempre foi visto como molhar os dentes em bolachas, ainda com sabor pasta de dente, após a cena retro da atriz enciumada sobre a cortina ensolarada.
O acidente, foi perguntar ao inocente, onde está o contente? E assim tudo fica perfeito, perto do medo ao lado da inteligência.
Algum sentido satisfaz, procurar abrigo e mente mais uma vez para não provocar ferida.
O amor é dormente, não escova os dentes e desconhece bolachas maizenas. Por um momento, quase desconversei e acreditei no acidente.
A gente olha envergonhado a cena da atriz com discurso decorado ao declamar a lua em poema.
O amor foi acidente. A dor é dormente. Tudo contente. Sorrisos e espaços para todos em momentos.
Agora o amor não tem jeito, sem um mundo fora do jeito, perfeito do som risório e apego do abraço mais feliz do mundo.
O amor não está doente.E agora não está só.

Estacionamento de lembranças



[...] nada queria além de entender a solução da solidão impiedosa em aparecer."Foi apenas um olhar atento sobre os telhados das velhas casas no centro de Curitiba. Ali nas imediações, encontravam-se os redutos de pessoas distantes de presenciarem a amadora felicidade, de encontrar abraços, aliás, abraços recebiam, vez em outra, de alguma informalidade casual.
O telefone já tocara muitas vezes, todos eram apenas especulações matinais, nada resolvia para concluir, que os fatos com prazo vencidos, tinham mais algumas horas de acréscimo. Resolveu não atender mais o telefone naquela manhã, saiu com passos mais rápidos que um cão desesperado atrás de seu dono.
No instante anterior a sua decisão escutou uma conversa de pessoas distraídas sobre o tempo ocioso de estar na procura de um filme fora de catalogo. Esta conversava ecoava em sua cabeça, que nada queria além de entender a solução da solidão impiedosa em aparecer.Escutou um ruído de um carro que derrapou no asfalto quente, a rua tumultuada de gente apressada, as lojas com sua roupas desbotadas, e as calçadas úmidas do calor, tudo isso, foi motivo suficiente para voltar para o silêncio dos seus momentos.
Antes de voltar para o seu apartamento, resolveu comprar um suco de laranja.O apartamento estava com as janelas fechadas, e os urubus ilustravam os telhados das velhas casas. Sem pedir licença para si mesmo, abriu as janelas ferozmente. Despistou o olhar e após olhar atentamente os telhados, e os prédios vizinhos, resolveu contorna-los e se fixou a olhar os carros que passavam em uma velocidade alta, naqueles momentos, talvez fosse melhor atender ao telefone.A campainha tocou, nada seria tão injusto, como uma visita naquela hora, mas resolveu atender a porta. Não foi nada além de um aviso da portaria sobre a reunião do condomínio. Sentiu-se aliviado em rapidamente poder voltar para seu próprio universo.A televisão ligada foi sinal que a solidão começava a preocupar, o sofá espaçoso tinha lugar de sobra, e nem um comentário tinha direito de fazer. Desistiu de continuar em frente ao televisor. Encaminhou-se para o quarto, que ficava no sentido oposto da janela das paisagens dos telhados. Sem perceber pegou-se a olhar perdidamente o os pertences bagunçados, a cama vazia, lençol desarrumado e, o único travesseiro atravessado. O guarda roupas ainda sustentava lembranças de passados recentes.
A partir daquele dia, não pensou mais em conseguir apenas olhar os velhos telhados e os carros apressados nas avenidas.

Singularidades vespertinas



"prazer foi omitir a mentira disfarçada nas primeiras tardes de verão"


[...] Com o acumulo da água das últimas chuvas fortes de verão, o caos se perverteu para amassar a fatia mais insana do pensares mais humanos. O latido do cachorro afônico, após uma noite de festas revela o quanto os quereres foram mais insanos. Prazer foi omitir a mentira disfarçada nas primeiras tardes de verão. Sentou-se para olhar a chuva, deixou a água passar embaixo dos seus pés, com a mão esquerda segurava o guarda-chuva, e a mão direita, pinçava um cigarro de filtro fino, herança esta oriunda dos filmes britânicos da década passada. Os olhos enxergam mais que simples imagens, percorrem as pernas, encantos e pudores iconoclastas da modernidade. Logo sem pedir licença, nem entender muito de progresso, chega um senhor, que pede um cigarro, sem muito social, solta o guarda-chuva e busca a carteira e entrega-o. Tinha certeza que o momento era único, e naquele plano de chuva, guarda-chuva, cigarro, caos e modernidade, o retrato figurava como resultado de ser cena da realidade. Não pode continuar sentado, a chuva aumentou a força, e os deveres o recrutavam para mais uma tarde. Após, dentro de casa, sentiu, que aquela cidade não era seu lugar, precisava logo mudar de ares, para não enfartar.

Impróprias lembranças


Maria Clara sempre que podia passava na panificadora na volta do trabalho e comprava pães franceses para não precisar sair na manhã seguinte para comprá-los. Costumava chegar do trabalho por volta do noticiário das 19 horas, vez em quando perdia as noticias por esbarrar em conversas descontraídas com as vizinhas e conhecidos de bairro.Ao adentrar sua confortável casa na Alameda dos Pinheiros primeiramente jogava sua bolsa sobre o sofá e ligava o televisor no canal em que o apresentador era mais agradável que a noticia. Aumentava o volume, permitindo-se assim lavar o rosto tranquilamente e não perder nenhuma matéria do noticiário. Entre uma noticia e outra conseguia preparar o jantar e programar o próximo dia.Tudo acontecia em perfeita sintonia, sabia escolher suas renuncias e preparar o famigerado espírito combalido de tanto sofrer nos últimos anos. Quando sem querer escutou em uma propaganda uma frase que falava sobre o futuro e do futuro quis fugir, mas não encontrou saída, foi levada pelas lembranças para o mundo em que foi feliz. Neste tempo suas lembranças eram limpas e casuais, nada parecia lhe tirar o sorriso estampado em todas as manhãs. Mas diferente daquele tempo parecia querer enfrentar a dor, que nunca ousou enfrentar.Forte demais não permitiu as amarguras estragarem seus desejos, jurava a felicidade ser sua companheira, mesmo que algo acontecesse e a fizesse por momentos pensar de forma diferente. Relutou sobre tantas transformações de pensamentos, pessoas e atitudes insanas.
A perturbação sempre se desprendia do suposto jeito de sentir o mundo.Sentada na mesa enquanto jantava voltou seu olhar para o calendário e começou a contar quantos dias iria precisar para poder estar distante de toda aquela ameaça de bem estar.Sem muito forçar descobriu que o homem com quem um dia trocou palavras de amor estava casado e distante da cidade onde morava. Ao mesmo tempo sentia que ficar presa na vontade sentimental não era uma maneira mais eficaz de ambicionar a felicidade.
A partir daquele instante Maria Clara descobriu que o pudor sempre é esquecido em nome das boas maneiras, mas nunca é deixado de lado quando é exigido em pensamentos.O mundo começava diferente para ela, durante suas jornadas de trabalho e convívio com as pessoas do seu circulo de amizades era tudo correto, talvez fosse uma forma de esconder dos seus sentimentos a carência de nunca conseguir viver o amor novamente. Mas sempre que entrava na sua casa na Alameda dos Pinheiros voltava a sonhar com os embalos daqueles sentimentos e fazia de tudo para voltar a recordar tudo que um dia a presença trouxe em sonho.
Promete uma tarde dizer tudo o que sente sem precisar assinar contrato, até lá o pudor continuará a ser exclusividade dos pensamentos.

Glicose enamorada


Amor
quando existe outro amor
continua a ser amor
em outras madrugadas.

Noites depois



O abajur acesso não impedia a luz de transcender amarelamente tímida e atingir seu rosto mais usual de amostras reais da felicidade. Condições pairavam sobre conversas distraídas de tantas tardes enciumadas em não prolongar relatos da vida que chegava muitas vezes sobre notícias de jornal. Folhava mais algumas páginas do livro que precisara ler para argumentar contra seus pensamentos menos eloqüentes. O relógio insistia em lembrar, que o canto apressado do galo, anunciava mais um dia que despertava com o sol estendido para a avenida. Não sentia mais vontade de dormir, não sentia o peso sonolento do seu corpo. Queria amordaçar os desejos mais insanos e prender atenção no coloquialismo dos anseios diários. Colocou-se de pé, firmemente os prendeu sobre o piso gélido e assim pode sentir o frescor da alma, que esvaziava o caos sentimental de estar entretida tanto tempo entre um lençol umedecido nesta madrugada nada fria. Caminhou em direção a cozinha, precisava tomar algo, talvez uma água, apenas para não maltratar a sede. O deslumbre com cenas sólidas de vinhos tintos e rosas amarguradas de saudade, recortavam um vitral que emoldurava a cena despertada em canto diferente ao canto do galo esquizofrênico da madrugada. Enxergava-se prendida sobre um garboso vestido branco de tecido fino, que não exigia resposta diferente além do que os olhos presenciavam e os pensamentos queriam. Luiza escutou seu nome chamado três ou quatro vezes, não entendia como poderia ser reconhecida, apenas por vestir um belo vestido. Os olhares vazivos, os comentários lúcidos, e toda a menção ferrenha dos que a viam. Tudo novo, diferente e vazio de tranqüilidade.
A inquietação alheia sempre a perturbou, mesmo inconscientemente preferiu atitudes mais discretas em relações com a sociedade. Perdida entre o copo de água e sua taça de vinho tinto, virou-se para o lado esquerdo e pode constatar as sete horas e vinte e dois minutos, três minutos antes do ensurdecedor despertador anunciar o começo de mais um dia. Ao caminhar entre pessoas tão diferentes e caóticas pelas avenidas centrais da cidade pode revelar para seus sentimentos doces e devaneios íntimos que os versos - "Pra te esquecer, Luiza, eu sou apenas um pobre amador apaixonado, um aprendiz do teu amor", foram pretextos nada sóbrios de resquícios de realidade.
Ainda pensa em comprar um garboso vestido, confessa não ser influência do sonho da madrugada passada.

Fuga do silêncio

Entre.
-Com licença.
-Toda.
Gostaria de conversar sobre causos que insistem em atormentar meu corpo. Fale, não sinta-se preso ao afago das palavras. O senhor sabe muito bem as razões que trazem as pessoas a virem até aqui. Olha, muitas vezes não sei do que trata-se, mas no decorrer das conversas, sempre apresento inferências.
Outro dia peguei-me preocupado com os cabelos brancos nascentes em minha costeleta. Isso sem contar os minutos recluso em frente ao espelho para diagnosticar quantos fios mais claros tenho em minha cabeleira. Sabe fico sem jeito em olhar o espelho e sempre ver anúncios que estou deteriorando com o tempo. O grande motivo que trouxe-me aqui é simples e jocoso, fica a critério do doutor escolher.Ontem percebi que uma amiga perdeu seu olhar em minhas entranhas capilares, aquela visão foi tão escandalosa e denunciante. Meu corpo todo foi alvejado com tamanho olhar pretensioso, aqueles segundos foram mais arrastados que os ponteiros do relógio da Guerra do Iraque.Então doutor, o que você pode-me dizer? O seu caso é algo comum na nossa sociedade, vejamos quantos homens não ficam desesperados com qualquer sintoma que entregue a idade. Não preocupe-se, as estrelas também envelhecem, as páginas amarelam e seu futuro muitas vezes envelhece com lembranças do passado. Mas, o doutor acha normal meus pensamentos?Sim, alias normalíssimo. Doutor, doutor.
A esposa de um amigo acha piegas homens com cabelos brancos, para agravar a cena, ainda disse que pior são os homens que não fazem nada para combater ou cabelo branco. A mistura de lembranças levam-me a minha infância, quando assistia os velhos generais com seus cabelos brancos cobertos por suas boinas verdes discursarem por longas horas, sempre cheios de razão, como o mundão fosse seu próprio salão de festas. Certa vez lembro do titio Lopes, chegou em casa calado, tia Maria perguntou, o que aconteceu Lopes. Sem forçar muito a língua soltou um fúnebre “O golpe de 64 começou.”. Depois foi tudo um silêncio perdurado por 21 felizes anos novos. Sabe doutor, nem queria vir até seu consultório, porém minhas incertezas de pensar e interagir como sou obrigaram minhas pernas serem contraria ao pensamento. E olha, nunca prometi muita coisa, mas uma das minhas promessas foi em não entrar nunca em um consultório psiquiátrico. Sempre considerei piegas relatar problemas para um outro alguém que mal conhece-me, com todo respeito a sua pessoa e formação doutor.
Não dormi por várias noites, ensaiei a visita ao consultório, cheguei a fazer um estudo do local para não ocorrer no problema de encontrar algum conhecido, nunca sabe-se, vai que aparece a esposa do amigo e solta mais alguma frase profética.
E a sua esposa? Minha esposa acha bonito homem grisalho, nunca disse nada sobre os fios brancos da minha costeleta, mas sempre faz comentários sobre atores hollydianos que tem cabelos grisalhos. Então, senhor .. Não seria mais fácil interessante apropriar-se dos comentários da sua esposa e esquecer uma opinião alheia. Sabe doutor, na teoria seria mais cômodo, porém a pratica exige parecer para terceiros ser uma pessoa diferente dos comentários.
Mas, assim você vai acabar maltratando a si mesmo. Não percebes que nunca conseguirá ser os dois lados da moeda. Entenda, seu problema é querer corresponder o capricho de um comentário, ainda mais de uma pessoa que não tem vínculo algum com o senhor. Os cabelos brancos são amostras do tempo implacável, ou senhor acha que nesse tempo de consulta o tempo parou? As crianças da roda cutia, as meninas do amarelinha já ultrapassaram a fase infantil, por mais que sejam crianças, estão minutos menos crianças.
Aqueles restos de cabelos espalhados ao chão do salão, tinha vários fios brancos e eu brincava de coloca-los sobre minha cabeça quando criança, enquanto esperava para cortar meu cabelo. Menino que gosta de brincar com fios de cabelo vamos lavar o cabelo e depois corta-lo. Lá, lá, ri, lá, lá, assoviando em notas sustenidas o barbeiro sempre contava quantos fios brancos escorriam pela pia. Uma contagem significativa sempre resultava. Deve ser uma espécie de provação da vida em fazer acontecer às vontades. Na última vez que cortei o cabelo, seu José o barbeiro contou-me sobre sua preocupação com o aumento da força militar nas ruas da cidade. Uma preocupação que maculava seu tom afinado de assovio e cantoria.
Manhã de sol, céu aberto e sem nuvens. O rádio tocava uma canção bonita com versos cheios de metáforas, pela janela aberta, percebia os pássaros cantores e alguns casais de enamorados. Sem fazer propagando alguma a rádio interrompeu a música e divulgou a manchete. “Uma explosão acabou com a barbearia do Seu José” mais informações na seqüência da programação.O silêncio colocou-se à frente das palavras.
Próximo.

Suficiente palavras

E depois do susto o sorriso alcançou a casa toda. O inverno daqui a pouco e os conselhos de sua mãe são respostas que antecipam perguntas.

- Aquele momento nunca mais cansou de acontecer.

Suas verdades

"O que ele fala é responsabilidade comum da sua vontade"

Entre versos e personagens, resolve abdicar de lembranças que satisfazem condições fugazes da realidade. Outro dia ao elaborar a fala de Rodrigo pensou em fazê-lo um homem errôneo nas questões sociais. Mas qual homem muitas vezes não torna-se errôneo quando maltratado pelas angústias do coração e, resolve abrir a janela e visualizar o mundo de outro jeito. Passados alguns anos, lembra muito das tardes ensolaradas, quando andar pelas calçadas, era apenas sujar os pés brancos em chinelos encalacrados. A xícara de café, balança com o balanço do mezanino onde escreve. A noite apenas começa, antes de descansar os olhos fragilizados das horas passadas do dia. Rodrigo atravessa a praça, coloca-se a olhar o céu, sabe que naquele mesmo espaço, instantes depois, estrelas começarão seus passos celestiais. vitrine toda moldada, traz preços da liquidação passada. A perfeição da conjugação do passado o faz voltar e olhar mais atentamente sobre a vitrine que esconde cenas vistas por aqueles olhos compenetrados de arbitrariedade. As imagens são partes de uma seqüência nada linear, onde o complemento fica proposto à imaginação. A porta do bueiro mal encaixada, quase o faz cair. Meninos e meninas alvoroçados de distração passam correndo ao seu lado. Naquele instante jurou ter visto uma estrela dourada, que anteriormente tinha visto no céu. Isso não existe, você está muito enganado, estrelas não correm pelas calçadas da cidade, disse um retirante do grupo de meninos. A extensão da imaginação são seus olhos, sem a imaginação, nada representa muito, além daquilo que os cílios permitem. O personagem não cabe mais nesse mundo. Abdicou das lembranças. Enquanto prepara a fala de Maria Eduarda, pensa em como propiciar um final mais feliz para Rodrigo. Talvez, seja mais conveniente deixa-lo recluso mais tempo desse mundo.

Pudor da tarde insistente em acontecer





Esfrega os olhos cansados de tanto sofrer nos últimos minutos. O espelho do banheiro é platéia daquele rosto pálido. Busca encontrar motivos para despistar as reais condições em que sua vida encontra-se. vida seguia seus princípios rotineiros. Os seus encantamentos ao longo dos enlaces proporcionados pela felicidade matrimonial eram vistos em todas as direções. O porteiro do Edifício Pedro Manuel sempre recebia cumprimentos cordiais do Dr Carlos Eduardo. Até alguns transeuntes do calçadão recebiam menções do doutor nas suas saídas para o trabalho.
O espírito fraterno de contribuir com as pessoas, especialmente as de mesma genealogia, fez do seu amplo apartamento um local onde recebia familiares dispostos em buscar oportunidades na cidade maravilhosa.
Em uma manhã de maio, Felipe seu sobrinho mais novo, chegou a cidade do Rio de Janeiro. Recebido com um abraço caloroso e apertado do seu tio e, um beijo dissipado e estalado com gosto por Maria Luiza.
Naquele instante o olhar do jovem garoto confrontou-se com a suposta carência de Maria Luiza, vinte e dois anos mais velha. Aliás, naquela manhã Maria Luiza não poderia estender honras ao sobrinho de seu esposo. Rapidamente pegou sua bolsa e colocou o óculos de sol, rumando para o hospital, onde ocupava o cargo de cardiologista. Carlos Eduardo e Felipe ficaram sentados no sofá da sala, conversando distraidamente sobre histórias familiares. Entre as lembranças suscitadas resolveram ir andar no calçadão da praia. Após caminharem e olharem as pernas torneadas e bronzeadas das moças, decidiram retornar ao apartamento.
O tio resolveu tomar um banho. A solidão naquele momento propiciou ao menino olhar atentamente para as fotos espalhadas de Maria Luiza pelo apartamento. O encantamento despertado pelas fotos trouxe o frescor do beijo recebido na chegada. Carlos Eduardo precisou ir ao banco. Sozinho naquele imenso apartamento e cercado de certezas incovenientes, Felipe decidiu tomar um banho demorado para ajudar relaxar o corpo da intensa viagem. Enquanto o menino estava no banheiro, Maria Luiza retornou do hospital e despiu-se das roupas cotidianas. Vestia apenas um conjunto de lingerie preto. Enrolado na toalha Felipe abre a porta e encontra a mulher do tio Eduardo com trajes modestos, ela dirigia-se para um banho. Sem jeito o menino mal consegue pronunciar uma palavra.
Durante o banho a médica pensava em como aquele menino poderia resolver alguns problemas enfrentados ao decorrer de vinte anos de casamento. A companhia daqueles braços vitais e rápidos a fazia delirar em imaginar o ardor de estar junto ao sobrinho do esposo. Ao sair do banheiro Maria Luiza não titubeou em esquecer seus desejos e jogou-se sobre o colo de Felipe que estava sentado no sofá da sala. Perplexo com a situação Felipe timidamente resolveu participar ativamente da cena. Ofereceu caprichos nos beijos árduos de pudores. Nada interrompia o ímpeto dos desejos amantes. Maria Luiza sentia-se como tempos atrás. Aquele menino com toda vitalidade da juventude a saciava.
Boa Noite. Provavelmente a saudação ao porteiro noturno da entrada do edifício tenha sido a última antes de presenciar a traição da esposa amada com o sobrinho. Carlos Eduardo caminha com passos ligeiros em chegar em casa e poder beijar a esposa. Mas, seus beijos foram trocados pelo olhar vilenpediado em enquadrar a cena. Os olhos focavam apenas o enlace dos amantes. Carlos Eduardo gritou uma palavra que traduziu bem a ordem do acontecimento. Adúltera. O silêncio da situação interrompeu-se com os passos agoniados de Carlos Eduardo para o banheiro. E a rápida ação dos amantes enterrados confortavelmente no sofá. Felipe saiu do apartamento apenas com a roupa do corpo. Maria Luiza ainda atordoada com a situação batia desesperadamente na porta onde o esposo encontrava-se. Explicava com palavras diretas que a traição foi apenas um desejo em apetecer a libido surgida naquela tarde. Perdoe-me. Perdoe-me. Repetiu diversas vezes. Carlos Eduardo chorava continuamente e com a mão esquerda ainda ostentava a aliança de casado. Não respondeu nada. Sentia ser seu amor mais forte que a traição emoldurada naquela tarde.

Mínimas rimas



Veste-se como um alferes desconhecido do destino
não lembra nem insisti
persegue o caminho

Veste-se como um partidário romântico
compra flores
escreve e envelopa cartas com frases apaixonadas
na busca por uma namorada

Veste-se como uma condição
prolongada da felicidade
em encontros mais felizes
que os encantos dos retratos

Veste-se com pudores
onde reencarna rancores
em beijos castos

Veste-se de verdades
para contrariar as peripécias da vida

Veste-se de Sábado
esquecendo-se do famigerado Domingo

Veste-se de alguém
lembrando ser alguém
sonhando com ninguém

Veste-se como um novo alferes
com os mesmos receios
e mais dores de cotovelo.

Cachorro sem nome


O cheiro de jasmim invadiu a porta, trazendo saudade das tardes chuvosas de verão. As brincadeiras de roda repletas de expressões infantis, letras desenhadas nas árvores, violão desafinado e músicas cantadas no embalo da rede, são lembranças insistentes do passado. Tempos que deixaram um legado além da saudade. A visão é nítida do jardim, a janela permite olhar, sem precisar pedir desculpa ou permissão em imaginar legalmente as paisagens, onde brincou. Certa manhã foi pega de surpresa pelo cachorrinho aparentemente abandonado que aparecerá no sítio da avó. Os pelos marrons e ralos, denunciavam suas costelas salientes. Foi até a cozinha e encheu um pote de leite. O trouxe com as mãos pálidas de medo da reação da avó ao saber que pegou leite para alimentar um cão abandonado. O mamífero praticamente engoliu tudo de uma única vez, constatando a fome. Antes de pensar em um nome para chama-lo, sua avó apareceu. As mãos agora tremulas faziam conjunto com a boca que deletreava um pedido infantil de desculpas. D.Clara com aquele olhar carismático de avós, disse: Minha filha, que cachorro mais lindo. Assustada com a reação da avó, pensou em contar a história. Mas não conseguiu. Naquele momento esperava apenas poder levar o cachorro para sua casa. D.Clara astutamente falou sobre a boa ação da neta em levar leite ao pobre animal com fome. Sem entender muito, apenas sorriu discretamente. Várias vezes enquanto lia fabulas escritas por seu avô, corria os pés sobre os pelos macios do saudoso cachorro.A saudade daquelas cenas proporcionaram um encontro com passado natural e belo em acontecer. Antes mesmo de voltar a sentar-se, olhou para descobrir de onde o vento trazia o cheiro de jasmim, que não percebia desde aquelas tardes infantis...

Nas idas do acaso


Os tristes passos cederam lugar para o sorriso espaçar a volúpia da cena em acontecer. O elevador parado subtraiu a chance de reaver desejos maiores em suceder uma tarde restrita as conversas informais dentro da sala de aula. Distraidamente não percebeu o elevador estacionado no térreo. Antes mesmo dos seus olhos perguntarem-se o motivo pelo qual ainda não teria saído do lugar, o porteiro nem um pouco cordial, a não ser quando pedia um cigarro, segurou a porta do elevador com um sorriso e uma saudação colérica de boa noite. No intertvalo enquanto explicava a rotatividade de alguns moradores, percebeu os passos agoniados em aproveitar uma carona naquela ida do elevador. Conseguiu. Timidamente os olhos entrelaçaram-se formalizando uma saudação rápida de uma breve apresentação resumida em boa noite. Curvou a cabeça para a porta reveladora de tantas histórias e descobriu ser o 11º andar. Limitou-se a olha-la pela sequência dos vidros do elevador 2x2. Encostada no fundo do elevador a menina que tinha na testa um breve suor, resultado dos passados rápidos para angariar aquela ida no elevador, ainda tinha resquicios da maquiagem após um dia intenso de trabalho. A bolsa a tira colo, escondia o certo tremor dos seus singelos braços castos. Sentia a necessidade de falar algo, talvez, uma frase qualquer. Não conseguiu. Verdades passadas passeavam por sua cabeça, mesmo que não fosse a hora mais apropriada. Estalo espaventado. 11º andar. Dois passos fraternos de desejos, boa noite e até mais. Até mais respondeu. A eufonia provocada por aquela voz doce conjugou com o aroma do perfume estacionado dentro do elevador um sentimento de desculpa por andar celebrando a tristeza pelos cantos. Ápós sair do elevador, sabia apenas ser o 11º andar o local da abstração do coração em sonhar.

Sentimento empoeirado


"o céu é limpo e estrelado as almas são curtas e empoeiradas"

Entrelaçada nos lençóis quentes do seu corpo aquecido em mais uma noite de inverno, consome os últimos minutos antes de desprender-se do conforto da cama. O dia é com vento forte, que leva as folhas para desfilar pelas calçadas alheias. Enquanto tomava um banho demorado, era espectadora da forma como a água escorria pelo ralo. No caminho entre o banheiro e o seu quarto, colocou-se a olhar pela janela do corredor, decorada com quadros coloridos e fotos de lembranças da família. Viu como a cidade caminhava para mais um começo de dia. Já vestida encontra o espelho a sombra do desejo em percorrer formas de explorar o mundo insistente do seu pensamento. A dor da rotina escondia a falta de andar por ruas diferentes no centro da cidade. Cada passo diário voltava-se a percorrer arduamente a estagnação. Entre seus sonhos derivados, resolvou abdicar do pecado. Sem permitir chance ao pensamento em retornar, partiu sem tomar seu café da manhã. A rotina seria passada, distante daquilo que gosta, caminhou até a banca de jornais no meio da praça. Acirrou o descontentamento ao deparar-se com as manchetes que as letras brilhavam no enunciado. O último trocado do teatro. Timidamente abriu um sorriso. Muitos transeuntes leitores de jornais desconfiaram daquele sorriso. Mas o que importava, eles não sabiam nada a respeito da realidade. O percurso até o seu trabalho era distante oito quadras curtas do centro da cidade. Seria um caminho de certo ponto rápido, não fossem as insistentes paradas em cada esquina para reparar a abrangência do edifícios que escondiam o sol e deixavam mais fria aquela avenida. Após muitos olhares curiosos chegou ao trabalho. O vaso com flores amarelas a fez divagar mais longe da exatidão das planilhas e ligações que a esperavam. Encoberta pela sinceridade pensou em pedir demissão do emprego onde era funcionária havia trinta e oito meses. Antes de finalizar a idéia, recebeu a chegada de uma colega obstruída com problemas de família. Com palavras comuns aprendidas em conversas diárias com diferentes pessoas, sentiu conseguir melhorar a imagem da colega nos problemas nada exemplares.Costumeiramente presente em boa parte do tempo as palavras doces muitas vezes desprediam-se do conceito do real impresso dos livros. Ao voltar para a lembrança da manchete sentiu seus olhos brilharem. A vontade de pintar os olhos, espalhar pó pelo rosto, nunca sentiram-se tão próximas. O cheiro de tablado, os passos encenados, a cortina derrubada e os versos declamados estavam todos empoeirados dentro da sua alma. Hoje resolveram acenar para a liberdade.

Amor que chega sem aviso

em conjuntos de frases curtas e longas constroí um suposto mundo, que filma cenas curtas da primeira parte de um Amor que chega sem aviso.


... o céu da cidade abre sinceras nuvens que embalam versos declamantes do poeta em questão. Onde esconde-se os medos, derrama-se também sinceridade apaixonadas de perguntas sem muitas respostas. A porta arranha o som do vento em acalantar lembranças e mostrar bem o caminho pelo qual prosseguir o trem. Sentado na poltrana 23, colado a janela, acende um cigarro, degusta o trago, conversa com a solidão vaga daquele vagão. Olha para as estrelas como pedisse perdão para o abismo de estar perto da onde nunca deveria sair. Rasga um pedaço do papel onde anotou um frase que gostou, e escreve, uma outra para não deixar esquecer, pretende entregar no momento em que chegar á cidade. Na idade em que encontra-se faz desenhos de casas e flores, todas com um bonito sol estampado no lado esquerdo da folha. Aqueles olhinhos castanhos brilham quando lembra dos ideais mais felizes. É perto do meio dia e após tantas horas encenando palavras, chega ao destino final.
Pé esquerdo á frente, olhar para o céu encoberto, um respiro forte e uma prece necessária. Desce a rua com passos de certa forma ligeiros. Avista uma multidão de crianças, todas acabaram de sair da escola. No meio de tantos alunos percebeu quem seria o motivo desta sua vinda à cidade. Arco vermelho no cabelo, brincos pequenos e um sorriso capaz de iluminar o céu encoberto. De longe imaginou-se segurando aquelas pequenas e delicadas mãos. Lembrou da figura da sua mãe, o chamando entre os amigos na volta da escola. O máximo que atingiu foi passar ao seu lado e escutar o som doce sainte da fala. Sentiu-se bem, mas precisava mais. Aquilo somente não o satisfazia. Mas naquele momento foi seu único alento para creditar a felicidade de assistir sua filha na volta da escola.

Cidade periférica



[Avenida movimentadissima, 7 horas, personagem 1, vestida de guarda-pó branco com nome bordado no bolso á direita]

Atendente de fármacia da Avenida 25 de março. Sempre corre para conseguir pegar o último ônibus depois do corriqueiro café da manhã. Outro dia perdida entre as esquinas das duas Marechais, percebeu quanto a cidade cresceu. Velhinhas conversam, jogatinas embutidas, velhos malandros desfilam e algumas crianças fazem dos minutos antes da entrada na sala de aula, um verdadeiro recreio dissipado. Cumpre sua jornada de trabalho diariamente. Tem cargo de atendente e destaca-se pela familiaridade com os clientes. Sabe as mais diferentes histórias, certas vezes, enxerga-se na própria história. A última foi da mulher que não sabia mais controlar o ronco do marido. Preferia mantê-lo acordado com fantasias enciumadas sob a realidade. O alento do trabalho não oferecia oportunidade para conseguir ultrapassar a barreira daquele balcão branco gelo, cheio de remédios, tabelas de comprimidos e folders promocionais. Ali, comumente sempre encontrava uma mulher, ainda jovem, que sempre entrava na farmácia para pesar-se. Vai ver é uma pessoa entediada com o peso, apenas mais uma, pensou.

[Casa de esquina, na rua paralela á Avenida 25 de março, personagem 2, vive a vida diária durante as noites. Olhos costumadamentes pintados, lábios contornados e brincos de argola]

Não sabe o motivo do sumiço de mais um par de brincos. Desde que mudou-se para aquela pensão, além dos incomodos com os insetos, também começou a sofrer com a vida em meio a tanta gente diferente. Existe indiferença entre os moradores. A noite esticada na cama, tinha que usar seu fone de ouvido. Não conseguia dormir com os ruídos das camas barulhentas com hóspedes secretos. Outra manhã com os olhos cansados de artefatos mimados de algumas senhoras vizinhas, resolveu mudar o turno do trabalho. Foi trabalhar nas madrugadas da cidade. Aos poucos descobriu o quanto é superficial e vago a vida de ser namorada afastada. O dinheiro que entrava facilmente, era deixado no caixa da fármacia. Apegou-se á viver baseada em receitas de emagrecimento. Nunca conseguia viver mais de dois dias sem contar os trocados, sobras do trabalho.

[Fármacia, manhã, por volta das 10:12]

Entre um atendimento e outro sobrava tempo para percorrer as linhas do imaginário. Voltava-se para a vida simples. Pensava em ser diferente, quem sabe utilizar a experiência de atendente e ganhar uma independência financeira maior. O maior opositor da mudança era seu espírito pudico.

[Farmácia, hora do almoço, por volta do 12:30]

Cabelo desgrenhado, óculos escuros, a menina pesa-se mais uma vez, mas compra também um inibidor de apetite. Neste instante inaugura-se o imprevisto acanhado. Somente isto? Sim, aliás você sabe de algum remédio indicado para insônia? Insônia. Bem para insônia, temos ... Obrigado, não precisa mais. Apenas o inibidor. R$17:28.Na saida a menina desfila seu glamour estampado em um vestido tão casto. A cena desperta a libido da atendente em mudar sua vida, talvez, nos moldes da sua última cliente.

[Pensão, 12:53]

Olhando a cidade pela janela] Preciso mudar a minha vida! Acabei encontrando um bom exemplo. A atendente de farmácia é formidável, tem vida digna, trabalho valorizado e ainda dorme durante a noite. Enquanto o céu da cidade desprendia-se de mais um dia de sol as duas personagens percorriam destinos nada convicentes com seus ideais psicológicos. A noite chegava ao mesmo tempo, tanto na frente do espelho no banheiro da pensão, como no ponto congestinado do ônibus. O vestido agora é mais justo e colorido. E o sono ultrapassava a fronteira antes de mais um dia começar. Ao contrário a vida encarrega-se de realizar fatos.

Tragos em abraços pálidos


Alice não quer mais romances de bar. Nem receber beijos mofados de cartas escritas durante as tardes. Alice não pensa em se casar. Antes do filho nascer pretende formar-se. Habitualmente vive sua vida entre os desgarros da manhã com a sinfonia da noite. Na escola era conhecida como a menina que escondia livros. Anteriormente aos descasos do coração, sempre tinha a prática de empunhar livros pelos caminhos. Ainda menina corria rapidamente as duas quadras que separavam a escola de sua casa. Caminhava diretamente para seu quarto. Abria as cortinas para o sol primaveril adentrar e sentava-se no chão. Certa vez foi surpreendida pelo histérico barulho dos passos de sua mãe nas escadas. Mais rápida que o piscar dos seus olhinhos brilhantes, empurrou o livro para baixo da cama. A presença da mãe não desconcentrou a lépida Alice. Sua imaginação pairava no episódio do menino faminto perambulante pelas ruas de Roma. Genaro usava uma camisa vermelha pálida, calça tergal preta e sapatos desbotados. Usava uma das mãos para pedir algumas moedas para os turistas da Praça de São Pedro e na outra levava uma pequena rosa amassada. Em cada pétala o menino escrevia um pequeno poema de três palavras. O primeiro foi: buscou o amor ontem. Á partir do momento em que ficou a sós com a história de Genaro, disparou pelo tempo. A mania de esconder livros embaixo da cama, começou neste dia. Depois daquela primavera nunca mais permitou aos outros verem onde ela escondia o seus pensamentos . As vezes baixinho murmurava, livro de capa gelo, livro de capa gelo. Agora rodeada de insanidades e moléstias da vida pertecente á sociedade, preocupa-se com a convencionalidade da modernidade. Ainda procura encontrar motivos mais emocionais para fugir da visão pessimista do mundo, principalmente nos encontros. Alice não quer mais perder um minuto ao lado de gente sem conteúdo. Alice prefere deitar e ler um romance á contentar-se com a obscuridade e polivalência dos sentimentos vestidos de afetos. Os pensamentos despertados com os enredos das histórias aparecem também em outras páginas. Alforria ganhou no dia em que conseguiu pegar seu primeiro livro e esconder sob a cama. Ainda hoje quando desfilava seus sentidos sobre as linhas de mais algum livro, lembrou da figura clássica do menino Genaro e suas pétalas poéticas. Olhou pela janela e viu a figura de várias crianças brincando. Seus olhos fizeram apostas de quem teria o privilégio de esconder livros e descobrir um novo mundo. Sem muito a saber, viu uma mãe pegar sua filha pela mão. O instante pairou sobre várias frestas da vida. E ali confirmou-se quem teria a chance de ser uma nova Alice no futuro. Despertando sobre a tarde também o gosto de saudade das falas da sua mãe entre as suas leituras e estripulias imaginárias, além das páginas literárias.

Sobre saber muito, sei pouco



Sobre saber muito acho
sei pouco

Mas se saber demais é isso tudo prefiro rabiscar o futuro
vendo novela mastigando chicletes
marchando na sexta de aléluia

Se saber tudo é isso prefiro rir sozinho
imitar o caminho
sonhar comigo

Se saber tudo
é tudo prefiro esquecer do mundo
neste próximo segundo.

Versos mudos



Ri da vida como não tivesse acordo com a saudade
Mostra ao mundo como representar serenidade.
Lê para ouvidos calados
um pouco mais sobre a saudade da serenidade
que um dia sentiu dentro do peito.

Assim

"a sombra da cidade projeta-se de qualquer lado"

... não acredita ser apenas mais uma cena, como a vista, ontem no cinema. Um beijo, com trago de teatro, vislumbrante do retrato. Muitas já conhecerá, poucas interessou-se saber a verdadeira identidade, além dos falsos e enciumados beijos, alguns roubados, outros acalourados. Sempre perdido em dramas, anestésicos dos pensamentos corroídos na madrugada, preferiu ausentar o cigarrinho, depois de perceber, a solidão da fumaça, após desvincilhar-se do trago. Misturado aos embalos do vapor abafado, á escorrer barato pela janela, percebeu o quanto era dependente de sentir-se um retirante de sentimentos. Por mais próximo que as chances teimassem em demonstrar afinidades, escolhia os pormenores motivos, para evitar acreditar ser apenas uma comparacão sem muito sentido, naquilo que sempre acreditou ser a razão verdadeira do amor. Tarde, a manhã, já abria espaços para o sol aparecer. Resolveu sair pelas cantos sinceros, desocupados pela gente que inventava frases, para conseguir algo mais que simplesmente sorrir. Ao cruzar a primeira esquina, lembrou vagamente da cena vista, não a mesma do cinema, mas a da vida, que chegava sem fazer muito barulho, deixando frestas de pecado, vistas de qualquer lado.

Cigarro na mão esquerda

"Sentiu vontades nunca exploradas"


O itinerário parecia estar correto, sentado em um banco gélido, buscava conseguir desprezar o vento interesseiro em tentar atrapalhar o prazer de acender o seu cigarro de palha. Após riscar por algumas vezes o palito de fósforo, resolveu atender a vontade de libertar fogo. Não sorriu, nem mesmo mudou sua fisionomia, cansada, além dos anos de trabalho pesado em lavouras de café do norte do estado. O chapéu que usava, tinha um tom branco, mais amarelado na aba, por conta da fumaça instigante do seu cigarro. Entre um trago e outro, escutava uma mulher falante, talvez sua memória combalida pelas longas horas de exposição ao sol, não ofertassem saber ao certo quem era a mulher.banco já ocupado por mais gente e uma meia dúzia de sacolas, assistia á cena, talvez encenada, seria um grande retrato do teatro. Um velho aposentado com seu cigarro de palha, segurado entre os lábios centrais, escutando uma mulher que parecia falar com as mãos e, um menino, com dentes de leite, á brincar com algo que segurava entre os dedos anestesiados da espera entediante da rodoviária. Naquele ambiente de certa forma caótico, estreiavam sentimentos saudosos. O velho, não levantou-se, mas agora sabia quem era a mulher que gesticulava de forma exacerbada. Não fosse um pensamento distante da inércia daquele lugar, não iria reconhecer o encontro do passado, sonorizado pela felicidade, em sentir o presente com gosto de futuro em ter a filha mais nova por perto. O cigarro não findava, passou a mão calejada sobre a cabeça do menino sentado, ainda á brincar com as mãos, descobriu ser seu neto. O ônibus não chegou. A viajem atrasou. O que importava atrasar, quando os relógios estiveram parados por muitos pensamentos distantes da realidade.vida na cidade seguiu adiante, com alguns casais apaixonados á passear de mãos dadas e, outros verbos para serem conjugados.

Razões mais que sinceras

" Acredita como quem vive por viver"


Mulher de poucas palavras, sempre buscou prevalecer sobre casos e acasos que ao longo da vida superou, colecionando-se de fatos protuberantes à inocência dos sentimentos em sempre acreditar, por mais cínico que as cenas fossem em registrar encaixes de felicidade. Suas dúvidas normalmente pairavam no sentido analgésico da espera acomodada pelo o que seus olhos comumente enxergavam. Nunca preocupou-se com as manhãs do amanhã, permitindo ser cordial com as folhas rastejantes do vento de final de outono. Após acordar, revigorar fatos para encarar mais um dia, resolveu tomar um banho, inocente á água que delicadamente escorria pelo sua cabelo e contornava seu rosto, não poderia desconfiar dos golpes do destino em moldurar parte dos seus pensares mais emocionais. A razão estupenda da vontade em estar sempre de mãos dadas a uma harmoniosa apresentação de fatos recorrentes aos seus merecimentos, foi tema, alicerce da vocação em ultrapassar limites impostos caprichosamente pelo seu coração. Desconfia da vida, como fizesse a pergunta "vale a pena" querer conviver no mundo, cada dia mais distante da saudade em sentir um abraço feliz e natural. As poucas palavras agora são uma sinfonia nada singela de placas descoloridas saintes do céu de sua boca. Acende um cigarro, apenas alguins tragos, antes de digerir solidão recorrente. Fecha as janelas, corrompe cortinas amarelas, criando sensações de vislumbrar o sol á adentrar a sala de sua casa. Perde-se entre lençóis amassados da cama, prefere não arriscar tempo, desperdiçando argumentos. Derrepente o telefone toca. Após três toque insistentes, resolve atende-lo. Na outra linha uma amiga, mas daquelas que não importam-se com questões relevantes da vida, preferindo rir sem saber o motivo. A conversa é curta e estreita, não é preciso diálogo. Até mais. Até. Mal sabia que á partir daquela conversa quase monossilábica seus interesses mudariam, e não seria acaso, mas sim por acaso.

Além das canções da cidade


O silêncio foi mais que puramente aparente, não quis mostrar indícios naturais, optando por desejos mais escancarados que o sol penetrante pelas frestas da janela, contornantes do cabelo, amarrado mais acima do que o costumado. Talvez, nunca tivesse notado-a, mas á partir daquele espasmo de gratidão, disfarçadamente encontrou desejos que, amparados naqueles olhos castanhos brilhantes, formava junto aos resquícios de sol, uma moldura nada obscura da verdade apaixonada.
O empenho da obrigação servil, não conseguia inibir os pensamentos, na Rua dos Albergues, na altura do número 818, permetiu-se cheirar a manga da própria camisa, sentiu um aroma, resultante dos pormenores encantos, combalidos nas imagens mais discretas do sol sustentante da janela á refletir-se naquela menina, que certamente, já despertava o coração de um outro alguém.
Conflitada pelo convívio saturado com o namorado, ela preferiu mostrar-se indiferente e, saiu para entre retratos, confinada pelos vasos e cortinas de seu quarto se pôs á chorar. Muitas perguntas tentavam evidenciar o tempo em que a felicidade seria artigo vistoso naqueles olhinhos castanhos, agora os mesmos olhos eram amargurados da incerteza mais distante da estagnação em viver, sem entender o final, comumente o extra da tristeza natural de um relacionamento.
O paradoxo mostrava o quando as realidades distantes, são diferentes.Enclausurado nas tarefas do trabalho, não conseguia deixar de lado um único momento, fez perguntas, negando respostas, quem sabe, estivesse totalmente perdido, sem abrigo, em perigos de amores, perdidos em esquinas, comovidos pelo singelo, ou retrocesso das indiferenças aparentes, por mais atributos que possuisse, uma vida embriagada de adjetivos e beijos hostis, não complementavam mais sua satisfação em apenas viver á vida, consumindo fatos, que ao pensar teriam um gosto trágico.
A novela á distraia, colocava-se sonhando em frente á televisão, imaginava ser á atriz, sem a tristeza essencial.
Engraçado a vida não os apresentou formalmente, instintivamente ela imaginava encontrar um homem, que complementa-se com ele. Ao mesmo tempo o sujeito despistava a paixão avassaladora em mais um copo suado de bebida, embriagado pelos amores mal resolvidos.
Até quando a pluralidade da cidade vai permitir aos dois viver em distância, permanecendo em mundos distintos.