quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
A alpargata
No prelúdio de uma conversa, o homem de camisa aberta, disse uma frase de duas palavras.
- Soubesse a verdade teria ficado quieto - a olhando.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Atrasos
Acordando, levemente descobriu os pés, deixando o tornozelo branco desnudo. Os pigarros do vigilante ainda denunciavam os cigarros da última noite na portaria. Com os olhos enfurnados no travesseiro contava mentalmente números - estes tinham sequência de progredir sem querer saber a hora do final. Ainda que os vizinhos já tivessem acordados - o marido desconcentrado nas notícias sobre economia no jornal e bicudo com a roupa escolhida pela esposa para levar as crianças para a escola. Na janela debaixo um pequeno canário cantarolava e soltava penas que lentas pairavam sobre o seu tapete do quarto. Ainda pouco alguém dizia coisas que não eram para os outros escutarem. As pequenas lembranças são o que levamos de mais importante dos dias - disse o vigilante para as crianças que saiam com a mãe para a escola.
Espreitando as sombrancelhas com o leve entorce dos ombros sentiu a friagem enturgecer seu tornozelo. A arte de viver está no dia que começa sem a gente para olhar - silabou puxando um pouco mais o edredon.
domingo, 22 de novembro de 2009
O começo do fim
- Veja aqui. Apontando para os cd´s de rock que foi trilha musical por um longo tempo. Quebrou um a um, e ainda com a denúncias de seu corpo ainda imperfeito, resolveu mais uma vez chamá-lo de filho da puta.
Vestiu-se. Reuniu as poucas coisas que a mantinham ali naquele apartamento e saiu. Ao chegar em casa, entrou de meias para não acordar os pais. Começou a dedilhar lentamente sobre o teclado - por mais que a vontade fosse de extravasar. "É tudo culpa sua. Nunca tive motivos para fazer nada. Agora pergunto: quem você vai amar? Se ainda me ama, eu sei..." - cortou o email pelo começo e foi para o banheiro. Chuveiro ligado e pela última vez na noite o chamou de filha da puta, desta vez apenas movendo os lábios. A àgua avermelhada corria para o ralo. Na brancura de suas coxas mais vermelho vertendo. Os pais acordarem já não era mais o maior problema.
domingo, 25 de outubro de 2009
auto-retrato
Quando sentou na mesa de imbuia - escreveria mais um pouco, seria a última vez naquela noite de primavera. Aos poucos, seus dedos com as digitais enturgicidas bateram teclas pretas sobre o papel amarelado. Antes de uma nova lauda descobriu: é poeta.
Olhou o teto mofado, se levantou e caminhou até a vidraça - olhando os meninos correndo entre os bancos da praça. Pediu perdão e voltou para a mesa - continuou a dedilhar páginas e páginas de nada.
sábado, 17 de outubro de 2009
Maria
Esteve por inteiros dias perdendo - sempre um pouco ali, o restante no carteado. Ao chegar em casa - um bilhete. Esta, sua pior perda.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Encontro marcado
Sensores de alta definição. Ali atrás das prateleiras e acima da divisa dos setores, um aparelho redondo. No escuro, o neon resplandece único. Algumas vezes tentei entrar aqui. Mas a sensação de vergonha era mais forte, talvez, programada pelas capas de revista. Ainda hoje, enquanto esperava o ônibus, vi algumas, todas com mulheres estonteantes. Será que nos fitam com estes comparativos? Sempre achei insensato e talvez babaca as novelas, afinal, a televisão entrou em uma disparada de futilidades. Claro, todos personagens, no final, lavam o rosto e removem a maquiagem. Depois de tantos anos perdendo e consumindo tempo em frente ao televisor, percebi, as revistas não mentem – nós, somos todas influenciadas pela maquiagem da atriz na capa.
- Por favor, gostaria daquela lingerie.
- Seu marido vai gostar.
Assim, foi o começo do final da minha introspecção. Uma afirmação da vendedora, que resolvi deixar assim mesmo. Comprei e hoje tenho um encontro comigo.
sábado, 3 de outubro de 2009
sábado, 19 de setembro de 2009
amor de letras
- amor
Disse com inebriante voz, soltando docemente as vogais abertas.
- final
Terminou como um cachorro latindo.
sábado, 12 de setembro de 2009
À espera
Após vastos anos de tablado, maquiagens e interpretações - frontal ao teatro, condecorada com flores verdadeiras - a homenagem.
Saudades eternas.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Gineceu
Com duas horas no relógio – os ponteiros romanos na onomatopéia indiscreta. Ao solfejar do vento, balançando as cortinas de pernas cegas – pisou no tapete. A sinestésica plumagem conflitava com modelos de cartas – deixadas abaixo dos poros amassados.
Na aura da janela do apartamento, enxergava o nublado da tarde vespertina – plúmbea e úmida.
Inerentes ao meio fio, flores, um rio de pétalas – sonhos para beber, prestações indolores para perceber.
Quando sentiu a falta do jornal – lembrou da independência.
Sete de setembro, feriado nacional.
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Leves silêncios
A puta desgrenhada avançou sobre as costas do velho mendigo. Tudo certo - disse a senhora de cigarro na boca. Sou a puta de ontem.
II
As mãos atadas não puderam reagir. Um pouco mais estaria casado.
III
Deitada ao lado dele sentia o coração acelerado com a mão entre os seios - a outra folhava um romance sujo de um sebo.
IV
- Maria? A voz embasbacada soltou a dúvida - a bolacha ou a minha?
V
Há dias sentia a imensurável rotina incomodando. Chegou ao bar, pediu uma coca-cola - na sua camiseta uma estampa de Stalin.
sábado, 29 de agosto de 2009
Minudências
A viscose da saia tecendo sobre a epiderme modificações sensoriais – oh, Vênus jogral. No pulsar da coronária fitou para o lado esquerdo – ainda sabia pouco. Sentia a novidade imprescindível.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Eles eram cavalos
Os olhos fitaram o vácuo, não conseguia acreditar que o ideal romântico concebido nos encontros entre eles tinha sido esmero trabalho.
Enquanto ela abdicava dos pormenores e fazia diligências pelos outros espaços do bar, ele desprendia um riso inococlasta - uma rosa vermelha com a mão esquerda entregou.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Abajur
Não tinha culpa, apenas era vítima de um silêncio proporcionado pelo fracasso. Antes, acendia seu cigarro, pensava em algum quadro - alguns passos estava no meio da quadra. Depois veio a crise, a sensação de impotência frente aos fatos, a solidão abraçada ao travesseiro.
Sentada em frente ao televisor, segura em sua mão esquerda uma xícara de café, enquanto suas pernas esparramadas esbarram no sofá. Dias destes ao olhar o amarelado relógio na parede, se lembrou de assistir o telejornal, não conseguiu. A vontade de pegar o controle remoto esquecido lá na mesinha do abajur ao lado da cama, passou.
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Expediente
Despertador, roupão, chinelo, aquecedor, registro, chuveiro, sabonete, shampoo, toalha. Carro, cinto de segurança, congestionamento. Elevador, resma de papéis, assinaturas.
Com um silêncio igual, olhando para o espelho ficou.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Prazer
Não gostaria de dizer, mas já que estamos tanto tempo juntos, confesso: tê-la junto ao meu peito descoberto é uma violência contra o tempo que passa sobre nós neste momento. Não precisa falar nada o prazer nos perdoa.
terça-feira, 21 de julho de 2009
Família
O pai sempre que chegava em casa jogava o jornal sobre o sofá. Certo dia ao acordar, antes do seu pai, viu que lá estava estampado. Sentou-se. Pegou o primeiro caderno, lia lento e perplexo. As mãos trêmulas transpiravam borrando as letras do texto. Aquela história não poderia contar.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
A palavra
Ao jeito de tudo que acontece sem explicação, não quis mais retornar ao passado, de certa forma, insistente em querer dialogar.
Voltou para a cama, ela dormia anestesiada, não poderia perceber, ele folheava um dicionário.
sexta-feira, 10 de julho de 2009
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Página 6
- Sabia que ela nunca mais quis sair sozinha?
- Como assim?
A conversa das duas foi interrompida abruptamente pela quantidade de envelopes deixados abaixo da porta.
- Não vai pegar?
- Não.
- Deixa que eu pego!
- Já disse, não quero. - Isso é passado.
Agora o presente conjuga o passado, mas ela continua a chorar encostada em outros lugares, até mesmo em bibliotecas, padecendo sobre romances juvenis.
Ainda não descobriu se prefere narrativa em primeira ou terceira pessoa, resta os outros para contar.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Cotidiano
Outro dia foi vista - com seus óculos escuros na esquina. Fumava divinamente.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
(en)Cena
Desligou a televisão, jogou o vinil no cesto de lixo reciclável, da estrada, passou pelo lado – caminho alternativo para não precisar pagar pedágio. Lábios sem cor, maquiagem sem cor, unhas sem cor, roupas com cor. Filme brasileiro, por favor, take 2, ano 2000, sobrou ela.
sábado, 6 de junho de 2009
Ofusco
- Todos olham, alguns até demais.
Você encontra nas noticias de jornais, até mesmo as ruas que não lembra mais. No inverno, volte, mas se agasalhe para não esquecer a primavera.
- A sombra celebra o frio, mas ainda prefiro assim, sem guarda-chuva sobre mim.
As vezes preciso voltar para não escutar mais isso.
sábado, 9 de maio de 2009
sós intransitivos
- Depois de madrugadas a fio, na esperança do telefone tocar, não resisiti e decidi dormir.
Porém, antes tive que cobrir o gato que estava espreguiçado na esperança de ver sobre seus pêlos o velho e furado cobertor azul. - Antes era o telefone, agora por mais que tenha dormido um pouco, olhá-lo coberto me joga na lona, do sentimento doce que chega a mim, com aroma de chocolate branco. Daqui a pouco ele vai acordar, querer leite, vou precisar dormir para não lembrar a gente.
domingo, 1 de março de 2009
Pedras no rim
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Íntimo de si
Amo escrever para você, mesmo sabendo que você não vai ler. O café está pronto, pontualmente às 06h18min.
- Não, não se preocupe, eu ainda deixo o seu jornal ao lado da sua xícara. Sabe que ontem eu pensei em você muito, daquela vez que nós inventamos descobrir o quanto tinha de água na pia do banheiro.
- Tudo bem, não quer falar disso, eu não vou insistir.
- O que? - não precisa ficar ofendido, aquele dia a escova de dente foi usada de maneira inesperada. Não precisa fechar a cara e justificar isso a sua postura de turrão.
- Sei que você não vai ler esta carta mesmo. Acho que vou parar por aqui.
- Não te entendo, não vai ler e acha que a carta é muito curta.
O ponto final é ali. Mas o silêncio é sempre aqui.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Café gelado
Sozinho em meu silêncio primário eu fingia saber viver. Não tenho muitas palavras, sou um homem de poucas horas, quase nenhuma vontade, meu bel prazer está em fumar meu cigarro e não pensar no amanhã. As minhas maiores vontades eu carrego em meus dedos ásperos, herança da minha infância.
- Venha aqui, berrando falava e emendava – Hoje você vai trabalhar sozinho. Ele é apenas um menino. Cala a boca! ele vai aprender desde cedo a ser homem. A interpelação franciscana da minha mãe rasga as minhas lembranças e debruça sobre os movimentos a minha vida.
- Filho, feche os olhos sempre diante de um infortúnio – eu poderia espremer os meus olhos, mas não podia me limitar a não escutar as injúrias e tilintares que vinham do quarto. A primeira impressão que eu tenho gravada em mim é desta época da infância, poderia não saber direito o que era a vida, mas desconfiava que o filho da puta do meu pai surrava a minha mãe. Minutos depois mamãe aparecia com uma vermelhidão no rosto, me olhava com o canto dos olhos e interpelava ao meu favor como quisesse dizer – o mundo não é tão bom quanto os seus olhos de menino queriam ver.
Hoje recluso a estar com as pernas esparramadas neste café, o tempo não passa sem deixar vestígios de acontecimentos que já foram um dia, eu não consigo deixar de lado a aspereza que carrego em meus dedos e na minha cabeça.
- Fumo enquanto caminho, vejo umas pernas bonitas, mas não posso ser aquilo que eu nunca deixei de ser.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
O Argumento
O beijo de agora não tem mais sentido!
- É?
- Sim!
Tinha muito mais sentido, peso e verdade quando era encenado junto a novela, que abraçados assistíamos।
- Deve ser por isso que depois da novela, nós não mais existimos.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
interferências
E apago. E leio. E releio. E vejo.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
O sol de Nara
Quando chegou, mal teve tempo de perceber o recado preso em um imã na geladeira. Apressadamente passou pela cozinha, não gostava de entrar por ali, somente a fazia quando estava sem a chave da porta da sala. Já na sala reparou no desbote das folhas da avenca, mas não fez nada naquele momento, preferiu ir até o quarto e descansar o corpo maltratado do cansaço. Desprendeu o braço pálido do corpo, esticou a mão direita para pegar o travesseiro e atirou a bolsa para aquele espaço. Jogou-se na cama, na necessidade de descansar seu rígido corpo. Ali no quarto ela sentia a luz que entrava entre as persianas e atingia a sua branca e bonita perna direita. Sem necessidade de pedir licença para quem não iria chegar, resolveu puxar a saia mais para cima e deixar as pernas em locais pouco navegadas de sol.
Ali deitada e reclusa da movimentação e modernidade da vida lá fora, pensou mais friamente nas condições que extrapolam a situações do coração.
Na noite passada, durante a festa de aniversário de Verônica, percebi que eles conversavam e se entreolhavam. Isso me deixou profundamente chateada. Enquanto eu pedia mais uma dose de bebida ao garçom, somente para criar um certo desconforto a ele, não demorou mais que dez segundos para ele interromper a conversa e vir até a minha direção. Chegou sem muito pensar e disse:
- Ela é uma chata!
Eu me coloquei a rir demasiadamente da situação, vê-lo ali na minha frente e escutar aquela frase não tinha significado mais significativo para o momento.
- Não se preocupe. Eu sempre a achei chata, mas agora que escuto de você, ela é mais chata ainda.
Sentido com a situação e na esperança de reconquistá-la, se pôs a falar da esperança de fazer renascer os dias em que foram felizes.
- Sabes bem que eu não passei uma fase boa. Mas quero que saibas que agora estou bem. A quero muito próximo de mim.
Eu engasguei. Não acreditava que aquele homem que por vezes eu fiz sofrer, estivesse ali, com um ar de consternado pedindo para ficar próxima de mim. Olhei para meus cotovelos trêmulos, soltei os cabelos e os puxei bem para amarrá-los novamente. Fiz isso para conseguir contornar a coragem e falar:
- É. Então vamos para meu apartamento.
Não dei tempo de resposta a ele e lhe disse:
- Agora!
Anos mais tarde eu descobri que aquela noite não foi a nossa volta, nem tão pouca a nossa retomada definitiva. A pressa de encontrar nele alguém que iria me fazer bem, esbarrava na falta de sensibilidade dos meus sentimentos. Talvez fosse tudo culpa da urgência que eu tenho em vivenciar a natureza das coisas. Jamais me submeti a ficar nas noites de sábado sentada no sofá assistindo um filme qualquer e entre uma cena mais parada e outra confinar diálogos assim:
- Não conta que nunca assistiu filmes deste diretor?
- Diz que está de brincadeira comigo?
- Barbaridade, o que fizeram com você na sua vida?
Essas perguntas cretinas afugentavam a minha pressa, não poderia ficar reclusa a perguntas estúpidas como estas em uma noite de sábado. Eu preferia ficar atenuada com as cenas e aproveitar o momento para recriar um romance fílmico ali no sofá da sala.
Porém a minha caretice e falta de coragem não permitiam eu agarrá-lo pela gola da camisa e começar a subtrair as vontades. Ficava na minha eterna culpa de aceitar tudo que acontecia.
Em uma noite de agosto ele chegou todo molhado, a sua camisa pólo azul estava grudada no corpo, as costas faziam uma espécie de “v”, salientes pareciam asas de um anjo querubim.
- Essa chuva chegou depressa, eu jamais iria imaginar que um guarda-chuva me salvaria neste começo de noite. Enfim, consegui comprar uns chocolates e um vinho, não é dos bons, mas vai servir para evitar o resfriado. Colocou-se a sorrir. Era um sorriso com chiados de verdade.
- Seu bobo, vinho serve para esquentar, para gripe é caipira que é bom. Pelo menos foi o que restou da tradição familiar, meu avô sempre defendia esta tese.
Colocaram-se a sorrir. Eram sorrisos sinfônicos em par. Em par eles fizeram de tudo naquele sábado chuvoso de agosto. As mãos que em algumas noites eram duas, transformaram-se em quatro, as bocas que eram apenas uma para saciar o chocolate, somaram-se para trair o desejo e atrair o momento. Os corpos envoltos, não pareciam nada, pareciam corpos envoltos de desejos.
O som da velha vitrolinha, herança da família dela tocava um vinil da Nara Leão – aquela voz doce da Narinha expressava de modo genial a composição do velho Chico.
Quando a noite enfim lhe cansa, você feito criança, pra chorar o meu perdão, qual o quê! Ele retrucou.
- Não gosto deste verso, não que não goste, neste momento aqui não posso gostar. Prefiro o começo e começou a cantarolar em meu ouvido – com açúcar e com afeto, fiz seu doce predileto, pra você parar em casa. Antes de terminar o verso, mordeu meu lábio inferior e me beijou com intensidade. Senti a textura do beijo.
Depois de tantas vezes juntos não lembrava da ultima vez que tínhamos passado uma noite tão agradável juntos. Não tive oportunidade de lhe dizer boa noite, nem outras frases mais, sentia que naquela madrugada eu poderia esquecer a minha falta de coragem em pronunciar algo. Porém ele já dormia, respirava forte e nem a chuva que fortemente atingia o vidro da janela do quarto impedia aquele som. O abracei forte, feche os olhos e não lembro de ter sonhado.
- Amor, cadê você?
- Você está no banheiro?
Era 7:18 de domingo, o despertador já tinha anunciado o acordar. Envolto ao edredom com aroma da noite, estiquei o braço, afastei as taças de vinho e puxei a minha carteira de cigarros.
- Ufa, tenho mais um.
Suspirei aliviada, retirei o travesseiro dele do lugar, juntei ao meu e me encostei. Enquanto eu tragava tranquilamente aquele solitário cigarro, sentia em meu copo o peso, a necessidade boa que aquela noite tinha me provocado. Doía-me esta história de ficar tonta com os meus sentimentos mais usuais.
Antes de terminar o cigarrinho ele reapareceu com um sorriso nos lábios e com a o rosto suado disse:
- Gosto da Nara Leão, mas confesso que ouço mais a Fernanda Takai. A voz delas é muito parecida. Não acha?
Meu silêncio se fez vitrine. E ele emendou:
- Não acredito que você ainda não percebeu?
- Eu vou trabalhar!
Mas hoje é domingo, não é?
- É sim! Mas certas vezes eu trabalho no domingo.
Beijou-me e saiu para trabalhar.
Fiquei ali ilhada nas fragrâncias daquele quarto. Retirei o segundo travesseiro e voltei a deitar meu corpo. Em poucos minutos dormi.
Hoje eu sei que desde o inicio eu tinha certeza que aquele amor era um vício de ambos, não estávamos ali para preencher a vida um do outro, mas para nos limitarmos ao momento. Ele com suas perguntas sem respostas, eu com a urgência momentânea. Na verdade eu não sei muito bem a razão de voltar à tona destes acontecimentos.
Preso no imã fixo da geladeira, escrito em papel de uma agenda velha, ficou escrito por ele: se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí.
Tudo culpa da Nara Leão, tudo culpa minha. Penso em começar a colocar a pálida e não tão bonita perna esquerda no sol.