quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Prova final




Chegamos cedo em casa. Depois de horas na estrada, sacudindo diante dos buracos fechados superficialmente em reformas eleitoreiras, era a vez da Marina reclamar.  —  Mãe, não quero ir pra escola. Deixa? Revirei os olhos, verdades precisam ser ditas; menina desalmada, não vê que a escola é o refúgio para o suor aqui nesta testa envelhecida.   Mãe. Ao olhá-la, era a mãe e a avó que diziam - só o ano muda.  





sábado, 12 de novembro de 2011

o dia que demorou um ano

Golpe baixo. Atrás dela? Nem pensar.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sexta da paixão


Sabia que comer carne na sexta da paixão era errado. Cansado e com preguiça de fritar peixe, resolver chamar a esposa. Ali mesmo no chão da cozinha seria pecado?

segunda-feira, 28 de março de 2011

Calcanhar de Aquiles


B
ateram na porta. Toda noite batem na porta. Batidas secas e seguidas. Batem na porta por puro impulso. O seu sonho de bailarina no municipal, cedeu espaço para uma aposentadoria refém da pensão do esposo. Convive com dois gatos sem raça definidas, adquiridos em uma feira de doação aos sabádos nas imediações da praça do governo. O som do televisor é das narrativas do Canal 100. A bola pelo gramado do Maracanã, escrete canarinho decidindo a Copa de 50. Na imagem incolor e nas interferências dos anos, apenas o peso dos olhos com Barbosa em prantos. Batem na porta, dessa vez convidam para um café.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Antes de chegar as seis

Despediram-se sabendo que o acordo selado teria tudo para dar certo. Sonolento pela falta do cafezinho tradicional da manhã, passou os olhos sobre os cadernos do jornal antes da chegada do primeiro cliente. Dois toques no telefone depois, entrou pela sala a secretária com a informação que o cliente se atrasaria. Parece que o voo precisou arremeter – emendou ela.

Pelos anúncios vistos pela janela do oitavo andar percebia o quanto a cidade estava avermelhada de números e nomes tradicionais, por mais beira que hoje tenha gravado nos seus cartões, passou fome na capital, tomar um ovo quente pela manhã muitas vezes foi o gosto das canelas suadas nas vendas pelos bairros.

Novamente o telefone, dessa vez era a certeza da confirmação do negócio. Poucos segundos depois a secretária pedia desesperadamente para eu ligar a televisão no canal 12. Não adiantava baile de máscaras sempre enganam a gente, pensava.

- Senhor, coloca no 12. Mais uma vez ela insistia.

Triste por perceber que nada foi certo, muito menos o acordo ou a despedida. Pedi para a secretária encomendar uma coroa de flores em nome do escritório.

Com o baile de máscaras continuei olhando pelo alto a cidade.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A realidade ou memória afetiva do teatro


Personagens:

Uma mulher

Uma senhora

Cenário: um elevador.

Ato único

Mulher - Lembrar. Uma reminiscência da memória. Chegando com a generosidade e a velocidade do presente.

Elevador para. (entra a senhora)

Senhora - Licença. Você pode apertar o décimo andar, filha?

Mulher - Claro. / Estar de volta a casa, nem sempre recebida por alguém, será um defeito ou uma vulgaridade familiar? Eis, não sabiamente seria um acaso, mas caso da realidade. Lembrar. Lembrar. Lembrar ...

Senhora - Filha, estás bem?

Mulher - Sim.

Senhora - Esquisito escutar essa sua fala.

Mulher - Tudo pode.

Senhora - Como?

Mulher - Minha senhora, tudo pode.

Senhora - Como demora este elevador.

Mulher - Três semanas. Nestes vinte e um dias você não lembrou. Não sente falta das cartas e dos momentos em silêncio na sala?

Senhora - Filha, você me assusta.

Mulher - Minha mãe sempre me disse isso.

Senhora - Faz tempo que não vê sua mãe?

Mulher - Umas semanas.

Senhora - Perdi a minha faz muitos anos.

Mulher - Também.

Senhora - Como isso? Acabou de dizer que faz algumas semanas.

Mulher - Minha senhora .... (saudando)

Senhora - Que?

Mulher - A eternidade é uma casca da vida. Derrepente um andar. No entra e sai a vida desfila. Sobe para mais perto do céu ou desce para a loucura das ruas.

Senhora - Você é louca.

Mulher - Sempre tem alguma revolta e acostumei-me escutar que sou louca. Aliás, quantas loucas o mundo já criou?

Senhora - Assim não tem jeito. Vou descer.

Mulher - Vai enfrentar a cidade grande?

Senhora - Enfrento a cidade grande há muitos anos. Quando cheguei imaginava o espaço mais feliz do mundo. Mas tudo mudou. Somente as placas de ruas ainda conservam os mesmos nomes.

Mulher - Verdade.

Senhora - Tenho 70 anos.

Mulher - 40.

Senhora – Ainda tem sangue quente.

Mulher - Nem tanto.

Senhora- Filha, claro que sim.

Mulher – Quarentona e sem esposo.

Senhora - Filhos?

Mulher - Não.

Senhora - Você não é a louca que parecia ser.

Mulher - Filhos são heranças eternas.

Senhora - Tenho três.

Mulher - Minha mãe também.

Senhora - As duas meninas são casadas e tem filhos. Já meu filho homem nunca quis casar.

Mulher - Viu. Não somos exclusivos. O mundo está cheio de gente assim.

Senhora - Afinal, sua mãe é viva?

Mulher - Temos muitos sonhos. Logo, percebemos que a importância com alguém pode desaparecer em algumas conversas.

(Elevador chega ao décimo andar)

SenhoraAté mais. Conversamos.

MulherMamãe tem netos. (grita com a porta fechada).

FIM

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Manuel

Manuel ainda permanecia em mim, três meses após o fim das apresentações da turnê da montagem da peça sobre a vida do poeta Manuel Bandeira pelo país. Nesse tempo as visitas eram recíprocas e sabedoras da ficcionalidade sobrepondo-se a realidade. Todas tentativas de continuidade esbarravam nas falas do diretor.

O personagem vive apenas no palco.

Eu voltava caminhar pela cidade, recebendo alguns pedidos de fotos na Praça da Sé e comentários jocosos no reduto da Praça Roosevelt pela minha participação em uma minissérie. A barba e o cabelo crescido eram marcas trazidas do palco, quando eu sentia certa perda da identidade poética interpretada no tablado, colocava a armação utilizada na turnê.

Claro que para mim a participação no espetáculo rendeu além do sucesso e convites para atuar na televisão, também indicações a alguns prêmios na categoria teatro. Certas vezes li em resenhas do espetáculo em jornais que a minha atuação era uma grande revelação na família de um dos maiores dramaturgos do país.

Flanando pela Augusta, rua de iguarias e personagens multifacetados, resolvi encarnar por sebos, um desejo que adiava desde a estreia da peça e que com as gravações televisivas se tornaram distantes. Acabei frontal a estante de literatura estrangeira – que na verdade precisava de uma boa limpeza, exemplares empoeirados despertavam a minha renite. Com a posse de algumas peças de Shakespeare, voltei sorridente para o pequeno apartamento no centro de São Paulo.

Os picos de audiência na minissérie principalmente em razão dos personagens políticos determinaram minha volta ao teatro, dessa vez para participar de uma tragédia de Shakespeare. O convite foi feito em um almoço e nele estavam presentes o diretor de marketing de um banco que patrocinava o espetáculo, o renomado diretor, que ganhara por três vezes o maior prêmio do teatro brasileiro na categoria direção.

Mergulhei no projeto. Passei a me dedicar praticamente dezoito horas diárias para criação do texto, que precisava de uma remodelagem para o contemporâneo, conforme pedido no contrato.

Com as tragédias adquiridas no sebo e mais alguns emprestados pelo diretor consegui fazer um trabalho que seria elogiado pela crítica. Dois meses depois daquele almoço e muitas noites debruçados sobre o computador a peça estreava no teatro do banco patrocinador.

Na primeira fila convidados políticos, muitos confessaram vergonha pelo meu papel na minissérie em conversas no camarim. Vários atores, muitos ali tinha visto apenas nas fotografias dos espetáculos escritos pelo meu pai. A crítica teatral com o seu nome mais representativo quando falamos de Shakespeare no Brasil – enfim, uma estreia como nunca imaginei.

Na trilha musical, composições do conservatório de cordas feitas por jovens autores especialmente para esta montagem. Cada par musical acompanhava a mudança dos personagens que eu interpretava. Ao todo, foram mais de treze todos inspirados em MacBeth. Em uma das partes da peça o som dos relâmpagos parecia levar os presentes aos passeios de turistas por sonhos ébrios.

Um dos pontos mais altos do espetáculo era quando o jogo de luz permitia uma troca entre os personagens de MacBeth e Lady MacBeth – a sombra proporcionada pela troca de roupas criava um mapa épico da Escócia antiga. Esse feito criava uma atmosfera de exaustão do público, principalmente aos desacostumados ao assento do teatro e certamente ali apenas pela minha aparição na televisão.

Mais divertido foi no ato final da peça quando várias sombras começaram se projetar pelo auditório, jogando nas paredes imagens do espetáculo. Nos aplausos eu sentia a retribuição do público.

Na coletiva de imprensa convocada pela produção na tarde seguinte a estreia da peça pude perceber a representação dessa tragédia em minha carreira. A assessora do espetáculo censurando a maioria das perguntas destinadas para mim. Aos poucos percebia que por mais importante que fossem minhas atuações no palco, muitas pessoas enxergariam em mim apenas o filho do dramaturgo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Homenagem


Asfaltaram a rua. Ela virou esquina.



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O fantasma do meu pai

Você deveria se comportar como um homem com mais de cinquenta anos – foi a pedinte frase que escutei sentando no Café de Copacabana naquela tarde.

A primeira impressão é que ela tinha invadido as minhas ideias no dia do meu aniversário.

Você deveria se comportar como um homem com mais de cinquenta anos – foi a pedinte frase que escutei sentando no Café de Copacabana naquela tarde.

A primeira impressão é que ela tinha invadido as minhas ideias no dia do meu aniversário.

O senhor costuma vir aqui?

Não. Rispidamente respondi.

Acendi um cigarro e encarei seus olhos. Ela balançou positivamente a cabeça e virou as costas para a mesa. Sozinho nos meus pensamentos fingia viver. Sou um desses homens com poucas horas e que consomem cigarros a revelia sem imaginar o amanhã.

Os meus maiores fantasmas carrego na ponta dos dedos ásperos, herança da infância sem a companhia dos meus irmãos.

Venha aqui. Berrando meu pai dizia – hoje você vai trabalhar sozinho. Ele é apenas um menino, retrucava a mãe.

Cala a boca. Ele vai aprender desde cedo a ser homem. Cabra macho igual ao pai dizia.

A interpelação franciscana da minha mãe rasga as minhas lembranças e debruça nas costas dos fantasmas que trago da infância.

Filho, feche os olhos sempre diante de um infortúnio. Eu poderia espremer os olhos no escuro, mas não podia me limitar a não escutar os palavrões e tilintares do piso de madeira que chegavam do quarto.

O primeiro fantasma real que trago da vida foi criado na minha própria infância no interior do Espírito Santo. Ainda com os joelhos ralados pelos jogos de bolinha de gude no campinho da Asaz Vera Cruz desconfiava que o filho da puta do meu pai surrava a minha mãe. Em casa ao olhar para o seu rosto eu via nos seus olhos a resposta – o mundo não é tão bom quanto seus olhos de menino querem ver.

Hoje recluso em estar com as pernas esparramadas neste café, permito ao tempo passar com seus vestígios. Nos dedos ásperos alianças não entram, nem mesmo quando minto que sou casado para alguma menina da “gare” em noite de samba na Lapa. Fumo enquanto a olho caminhando pelo café – mas não posso ser aquilo que nunca deixei de ser.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Tudo pela companhia


Tudo começou no exílio que parcelei em trinta e seis vezes no cartão de crédito. Ir pela primeira vez para a Inglaterra com mais de sessenta anos é acreditar que os fios espessos da barba branca não significam muito além da alergia da lâmina de barbear. A confusão de viagens em final de ano é uma explicação plausível para o meu tormento perante muitos cafés nos últimos trinta anos no Departamento de Ciências Humanas da universidade em que leciono. Todas as historietas cancioneiras sobre os Beatles escutadas acredito ter herdado destas conversas paralelas entre um intervalo e outro.

O voo atrasado fez com que minha chegada a Liverpool tivesse um gosto hitchcockiano – não parecia que chegara à capital beatlemaniaca. Depois do desgaste enfrentado na Wizz Air, tive um encontro com o suspense, que chegou com a presença de uma bela funcionária me acompanhando para uma saleta nos fundos do John Lennon Airport. Problemas na falta de um carimbo verde no visto da União Europeia – naquele inglês pesado, constatei que a fonética é ingrata com os estrangeiros. A desatenção foi no embarque em Lisboa, acredito que a prosa sobre a visita a Casa de Fernando Pessoa tirou a concentração do funcionário do aeroporto, que ao escutar minha fala no celular, perguntou sobre a admiração brasileira pelo poeta português – respondi em um tom ufanista que Ricardo Reis era o melhor.

- O gajo gargalhou:

Saramago também pensava assim. Lembrei de algumas críticas sobre o escritor português em relação ao seu comunismo, quantas vezes escutei isso na boca dos doutores e pós-doutores no departamento, creio que por isso, depois de Os Cus de Judas, passei preferir Lobo Antunes.

Com um exemplar da biografia dos Beatles em mãos, comprado em uma promoção de aniversário de uma grande rede de livrarias do Brasil, eu passava frio sentando em uma poltrona gelada com os sete graus marcados no termômetro com tracejado da foto de Lennon nos idos do lançamento de Imagine.

Mais tarde, depois de resolvido o entrave no aeroporto, estava com os pés no Cavern Quarter – ali, tudo parecia uma canção do Paul. Sedento por uma bebida, após arranhar a garganta para falar um inglês chiado para as informações turísticas, entrei no primeiro pub que o luminoso ardeu nos meus olhos. O canal local transmitia uma partida do Liverpool pelo campeonato inglês. Os diabos vermelhos segurando os canecos de cerveja e concentrados nas jogadas, juntamente com os funcionários. Como torcedor do esporte bretão aqui no Brasil e fanático por um clube sulista entendi o desprezo com a minha presença.

A aura tímida tem um sentido gauche nos meus recém completados sessenta e dois anos. Assim saí caminhando pelas ruas estreitas de Liverpool, segurando um mapa adquirido no Brasil – segui a via sacra. Minha coluna levemente arqueada carregava uma mochila com alguns botons de países, Rolling Stones e Beatles.

Na Metropolitan Cathedral, senti uma presença do tracejado niemeyer – adjetivo encontrado nas luzes azuis na decoração vespertina da igreja. Ali, pude sentir uma imensurável saudade da família que nunca tive. Papai e mamãe se foram há tanto tempo que a ausência deles já não é mais um vazio, mas a certeza de um encontro em breve. Certamente tivesse filhos, eles gostariam de conhecer a Albert Dock, comprariam roupas, tecnologia inglesa e tirariam fotos para mostrar para os amigos.

Topando com turistas do resto do mundo, comecei a sentir o exílio que carrego comigo, não estava com mais ideia e forças para continuar a jornada em Liverpool. Aqueles papos de departamento na universidade soavam muito contracultura para um sexagenário com acréscimos. Já imaginava o retorno, mesmo sabendo dos problemas que o caos aéreo provoca, tinha a certeza de que precisava voltar o quanto antes para casa. No país da rainha, além de tudo ser muito caro em relação ao salário de um professor universitário, quartos de hotel são sempre vazios e sem samambaias, não importa em que canto do mundo está. Solidões de quartos de hotéis são mais forte que as melodias do Álbum Branco – aforismo, diria um poeta que publicou o livro arrecadando dinheiro na porta da biblioteca pública da cidade do interior paranaense.

No táxi que me levava para o aeroporto na manhã seguinte decidi que iria visitar o Cavern Club – após pedir para o motorista soletrar na fala, descobri que o velho local do inicio dos Beatles não existia mais, que agora existe um Cavern Club Liverpool. Do outra lado da rua, na frente, tijolos originais do velho pub beatle bemolizavam os 292 shows ali. Algumas horas depois, seguia direto em um voo para a Espanha, iria passar uns dias na casa de uma boa amiga jornalista em Málaga.

Daqui pouco a menos de um mês iniciam-se as aulas na universidade e viajar para Liverpool será uma confissão para as tardes de Help no departamento.