sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Manuel

Manuel ainda permanecia em mim, três meses após o fim das apresentações da turnê da montagem da peça sobre a vida do poeta Manuel Bandeira pelo país. Nesse tempo as visitas eram recíprocas e sabedoras da ficcionalidade sobrepondo-se a realidade. Todas tentativas de continuidade esbarravam nas falas do diretor.

O personagem vive apenas no palco.

Eu voltava caminhar pela cidade, recebendo alguns pedidos de fotos na Praça da Sé e comentários jocosos no reduto da Praça Roosevelt pela minha participação em uma minissérie. A barba e o cabelo crescido eram marcas trazidas do palco, quando eu sentia certa perda da identidade poética interpretada no tablado, colocava a armação utilizada na turnê.

Claro que para mim a participação no espetáculo rendeu além do sucesso e convites para atuar na televisão, também indicações a alguns prêmios na categoria teatro. Certas vezes li em resenhas do espetáculo em jornais que a minha atuação era uma grande revelação na família de um dos maiores dramaturgos do país.

Flanando pela Augusta, rua de iguarias e personagens multifacetados, resolvi encarnar por sebos, um desejo que adiava desde a estreia da peça e que com as gravações televisivas se tornaram distantes. Acabei frontal a estante de literatura estrangeira – que na verdade precisava de uma boa limpeza, exemplares empoeirados despertavam a minha renite. Com a posse de algumas peças de Shakespeare, voltei sorridente para o pequeno apartamento no centro de São Paulo.

Os picos de audiência na minissérie principalmente em razão dos personagens políticos determinaram minha volta ao teatro, dessa vez para participar de uma tragédia de Shakespeare. O convite foi feito em um almoço e nele estavam presentes o diretor de marketing de um banco que patrocinava o espetáculo, o renomado diretor, que ganhara por três vezes o maior prêmio do teatro brasileiro na categoria direção.

Mergulhei no projeto. Passei a me dedicar praticamente dezoito horas diárias para criação do texto, que precisava de uma remodelagem para o contemporâneo, conforme pedido no contrato.

Com as tragédias adquiridas no sebo e mais alguns emprestados pelo diretor consegui fazer um trabalho que seria elogiado pela crítica. Dois meses depois daquele almoço e muitas noites debruçados sobre o computador a peça estreava no teatro do banco patrocinador.

Na primeira fila convidados políticos, muitos confessaram vergonha pelo meu papel na minissérie em conversas no camarim. Vários atores, muitos ali tinha visto apenas nas fotografias dos espetáculos escritos pelo meu pai. A crítica teatral com o seu nome mais representativo quando falamos de Shakespeare no Brasil – enfim, uma estreia como nunca imaginei.

Na trilha musical, composições do conservatório de cordas feitas por jovens autores especialmente para esta montagem. Cada par musical acompanhava a mudança dos personagens que eu interpretava. Ao todo, foram mais de treze todos inspirados em MacBeth. Em uma das partes da peça o som dos relâmpagos parecia levar os presentes aos passeios de turistas por sonhos ébrios.

Um dos pontos mais altos do espetáculo era quando o jogo de luz permitia uma troca entre os personagens de MacBeth e Lady MacBeth – a sombra proporcionada pela troca de roupas criava um mapa épico da Escócia antiga. Esse feito criava uma atmosfera de exaustão do público, principalmente aos desacostumados ao assento do teatro e certamente ali apenas pela minha aparição na televisão.

Mais divertido foi no ato final da peça quando várias sombras começaram se projetar pelo auditório, jogando nas paredes imagens do espetáculo. Nos aplausos eu sentia a retribuição do público.

Na coletiva de imprensa convocada pela produção na tarde seguinte a estreia da peça pude perceber a representação dessa tragédia em minha carreira. A assessora do espetáculo censurando a maioria das perguntas destinadas para mim. Aos poucos percebia que por mais importante que fossem minhas atuações no palco, muitas pessoas enxergariam em mim apenas o filho do dramaturgo.

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