sábado, 29 de agosto de 2009

Minudências

Sabia de poucas coisas. Ouvira durante o jantar pela primeira vez o assunto – com a lacuna dos seus pensares ficou. Ao aperto fraterno da sua mão túrgida e fugidia – rendeu-lhe um sorriso lacustre. Com a esquiva do guardanapo ocultou o dente maculado e a resposta artificial.
A soltura das frases se mostrava na predileção casual – o reflexo no alumínio dos talheres entediava a sua posição. Juntando os dois lábios, como corpos molhados, deixou cair uma pontinha de saliva sobre o prato. Acometida pairou para dentro do pouco que sabia – as vozes se misturavam com os ecos das porcelanas côncavas. Esticou o braço e com fineza pinçou a taça de vinho. Na boca o róseo – dentro o sangue. O antebraço colado a pelve era um fugitivo parado – rendido pela conformidade.
A viscose da saia tecendo sobre a epiderme modificações sensoriais – oh, Vênus jogral. No pulsar da coronária fitou para o lado esquerdo – ainda sabia pouco. Sentia a novidade imprescindível.


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Eles eram cavalos


Quando resolveu deixar de lado a preocupação começou a sentir-se mais livre. A liberdade realçava com os seus olhos – castanhos claros. Com o suor escorrendo pelo seu pescoço, desmediu as palavras e resolveu afirmar naquela mesa de bar - sou prostituta.
Os olhos fitaram o vácuo, não conseguia acreditar que o ideal romântico concebido nos encontros entre eles tinha sido esmero trabalho.
Enquanto ela abdicava dos pormenores e fazia diligências pelos outros espaços do bar, ele desprendia um riso inococlasta - uma rosa vermelha com a mão esquerda entregou.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Abajur



N
ão tinha culpa, apenas era vítima de um silêncio proporcionado pelo fracasso. Antes, acendia seu cigarro, pensava em algum quadro - alguns passos estava no meio da quadra. Depois veio a crise, a sensação de impotência frente aos fatos, a solidão abraçada ao travesseiro.

Sentada em frente ao televisor, segura em sua mão esquerda uma xícara de café, enquanto suas pernas esparramadas esbarram no sofá. Dias destes ao olhar o amarelado relógio na parede, se lembrou de assistir o telejornal, não conseguiu. A vontade de pegar o controle remoto esquecido lá na mesinha do abajur ao lado da cama, passou.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

Expediente

Olhou para o espelho, com a desconfiança de encontrar ali outro alguém. Não parecia sua descrição comum de todos os dias.
Despertador, roupão, chinelo, aquecedor, registro, chuveiro, sabonete, shampoo, toalha. Carro, cinto de segurança, congestionamento. Elevador, resma de papéis, assinaturas.
Com um silêncio igual, olhando para o espelho ficou.