domingo, 18 de julho de 2010

Equinócios


Nas primeiras semanas, ainda acanhada e com os braços de fora, pedia permissão para abrir a geladeira. Acabava por não me incomodar com esse tradicionalismo que ela apresentava. O deleite de perceber tal comportamento fugidio me deixava inibido.

A minha preocupação começou quando ela passou ficar mais tempo no banheiro que o necessário. Os seus cabelos molhados derrubando água no piso. Descalço meus dedos carregavam alguns fios viscosos de condicionador. Com o tempo um único banheiro em nosso lar passou a ser uma disputa desleal, vencida por ela e a tarifa de energia elétrica.

Aos poucos o convívio entre nós passou a ser uma tática militar – prevalecendo vozes mais altas. Enquanto o futebol na televisão vociferava no repúdio do narrador com a seleção, ela se concentrava na leitura de romances portugueses. Por vezes, interrompia para perguntar algum detalhe do livro. Respondia como um típico torcedor, bastando para ela largar o livro sobre o sofá e sair da sala.

A cada dia reparava que os espaços estavam cada vez menores, acostumei-me a ficar na companhia da luminosidade da decoração do aquário, que a estas alturas incomodavam. Despertava com o barulho do secador. Horrivelmente saia do sofá e me preparava para mais um dia de trabalho. Certa vez ela interrompeu uma de suas leituras e disse calmamente: que tínhamos que ter dois banheiros. Surpreso, tentei formular alguma resposta. Olhando-a, percebi sua mão sobre a barriga. Sem dúvidas, mudamos dias depois para outra casa. Agora vivemos nos preocupando com o nome do nosso filho. E ainda temos mais seis meses pela frente.

Um comentário:

Zeca disse...

realidade.

minimalista puro.
fundo cômico falso.


bom demais.