domingo, 18 de julho de 2010

Equinócios


Nas primeiras semanas, ainda acanhada e com os braços de fora, pedia permissão para abrir a geladeira. Acabava por não me incomodar com esse tradicionalismo que ela apresentava. O deleite de perceber tal comportamento fugidio me deixava inibido.

A minha preocupação começou quando ela passou ficar mais tempo no banheiro que o necessário. Os seus cabelos molhados derrubando água no piso. Descalço meus dedos carregavam alguns fios viscosos de condicionador. Com o tempo um único banheiro em nosso lar passou a ser uma disputa desleal, vencida por ela e a tarifa de energia elétrica.

Aos poucos o convívio entre nós passou a ser uma tática militar – prevalecendo vozes mais altas. Enquanto o futebol na televisão vociferava no repúdio do narrador com a seleção, ela se concentrava na leitura de romances portugueses. Por vezes, interrompia para perguntar algum detalhe do livro. Respondia como um típico torcedor, bastando para ela largar o livro sobre o sofá e sair da sala.

A cada dia reparava que os espaços estavam cada vez menores, acostumei-me a ficar na companhia da luminosidade da decoração do aquário, que a estas alturas incomodavam. Despertava com o barulho do secador. Horrivelmente saia do sofá e me preparava para mais um dia de trabalho. Certa vez ela interrompeu uma de suas leituras e disse calmamente: que tínhamos que ter dois banheiros. Surpreso, tentei formular alguma resposta. Olhando-a, percebi sua mão sobre a barriga. Sem dúvidas, mudamos dias depois para outra casa. Agora vivemos nos preocupando com o nome do nosso filho. E ainda temos mais seis meses pela frente.

sábado, 3 de julho de 2010

Pensão Danúbio

Costumava ficar com sua sanfona nas imediações da loja dos Turcos no calçadão central. Com seus dedos gastos dedilhava acordes em tons menores, entre uma canção populista e umas moedas recebidas entoava um muito obrigado. Por dias tem conseguido acertar as contas da pensão Danúbio.
- Agora, Zé, tu ta podendo, hein. Mineirinho disse que vê vários candangos circulando você no calçadão.
- Toma. Deixo pago as duas próximas semanas.
- Não disse – você está mudado mesmo.
- Claudete, deixa ser boba por dinheiro. Um dia ainda morre segurando uma nota de cinqüenta reais.
- Se for na mão, será a resposta de mais de trinta anos de balcão.
Já sem camisa no quarto, deitava para descansar do serviço daquele dia. Sem poder fumar desde a última ameaça de infarto, dizendo para os conhecidos que somente parou para não amarelar ainda mais os dentes . Sua angustia aumentava ao escutar os barulhos da quarto ao lado – na fornicação paga.
Com o calor do quarto, abriu a porta e encostado no caixilho ficou por um bom tempo o celebrando ociosamente. Ao ver Deby saindo do seu aposento, tentou voltar meio passo para trás.
- Zé! Tu não toca para as meninas?
- Não. Roubando cego é fácil.
No interior nos tempos de juventude, retornava sempre para casa às 19 horas para pedir benção para a mãe. Costumava sempre sair escondido para as noitadas em bocadas da cidade – aos poucos teve contato com as poucas zonas clandestinas. Casar, jamais. Ouvira de um tio que homem esperto não casa e nem tem carteira assinada. Com os primos trabalhou por algum tempo em um pequeno comércio de material de construção. Teve um caso com a esposa de um dos primos, após escutar dela que o esposo gostava apenas de futebol – o crápula teve a petulância de ir até a casa deles com uma camisa surrada do Bangu.
Ainda na porta, já baixando o olhar para as pernas de Deby, teve a ideia de convida-la para entrar no seu quarto.
- Gosto de sua discrição, ela disse.
Malandro, agarrou a sanfona e começou a tocar várias notas repetidas. Por um tempo, apenas lembrou dos tempos de interior.
- Pega.
- Não acha que vou acreditar nessa história musical apenas.

Em pânico ele fica ao lembrar que Claudete certa vez disse que Deby não era exatamente uma mulher. Fecha os olhos para evitar a realidade, pega uns trocados e oferece a ela para sair.
- Não quero. Aproveita não tem ninguém vendo.

Gigolô que não era, ficou apenas com sua velha sanfona no calçadão. Toda noite quando voltava para a pensão escutava das prostitutas e travestis do Danúbio – Zé a gente ainda vai casar com você.