sábado, 27 de setembro de 2008

De Bach a nada



Tempos depois. Não foi a primavera que chegou, deixando o enrustido frio acariciar as bochechas das pétalas amarelas, pegas nas mãos de outras vermelhas e ainda esquecer algumas descoloridas sem o apego da friagem não convencional para um começo de primavera. Sentido para uma noite em que o silêncio tem sinfonia, o lado esquerdo do maestro, este, aponta para reger a orquestra. Sentados algumas pessoas, entre eles, umas senhoras desacompanhadas, uns senhores com seus chapéus de feltro desbotados e alguns guris e gurias, talvez, filhos, netos, enfim, netos ou bisnetos. Todos da platéia enternecidos do momento - maestro-orquestra. Na saída às senhoras que não têm seus pares, olham com olhos de desculpas para as mãos gélidas. Os homens dos chapéus, os sozinhos, sentem que a natureza impar é implacável com a sensação rompante do momento. Em poucos momentos as portas do teatro se fecham. A orquestra sinfônica guarda os instrumentos. As cortinas rubras que fechadas estavam ao fim do espetáculo se abrem novamente. Muitos homens ali que há pouco seguravam com exuberância trompetes, saxofones, clarinetes, baquetas de percussões, agora, também sentiam o peso do frio deste começo de primavera. Isolado, sentado na segunda fileira de cadeiras estava o maestro. Muitas partituras em suas regências. Bach, Mozart, Tchaikovsky, Strauss, Beethoven, Chopin, misturavam-se ao seu acervo sentimental que circundava suas memórias e emergiam para as fronteiras de olhar implicitamente como tudo fosse apenas uma sinfonia em um compasso longo e torto.
Um prato escorregou da mão de um dos músicos e acariciou o momento. Em forma de diapasão da realidade. Afinou a sentença do momento. Melhor, tentou aproximar-se da melhor nota que pudesse confortar o momento. Flashback atiçará seu comportamento isolado no momento. A claridade azul do céu noturno feria o gesso do teto do teatro.
Nada importava tanto quanto voltar tempos atrás e presenciar as lembranças mais incólumes do seu temperamento introvertido. Um zumbido de assovio de um dos músicos completava a chamada que o palco estava desocupado.
Em passos rijos caminhou em direção a saída principal do palco. Chegando quase na porta de saída, olhou mais uma vez, a esperança era que o momento voltasse a suas lembranças. Mas, quais lembranças poderiam subverter o sentido de um homem que sempre teve seu lado esquerdo salpicado de notas musicais misturados a vilipendiação dos odores provocados pela saudade de quem sempre se absteve de caminhos mais curtos na primavera.
O frio enrustido do inverno invadiu realmente a noite de começo de primavera. As mãos gélidas todas estavam, as das pessoas ímpares e pares. Por alguns instantes o homem detentor de uma imensa falta particular foi cumprimentado por diversas pessoas. Todas sorrindo e agradecendo o concerto exuberante. Entre sorrisos previsíveis para ele e imprevisíveis para os outros agradeceu os senhores e senhoras.
Os guris e gurias, talvez, netos e bisnetos contavam as estrelas das constelações aparentes no céu. Nenhum dos senhores ou senhoras impares tornaram-se pares na noite.
Como uma sinfonia findada o silêncio e as lembranças se abstraíram de verdade, enquanto lá dentro do teatro...